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Cultura e incultura
Dias atrás li que uma popular vedete brasileira afirmou que, por gostar de humor e piadas, iniciaria a leitura da “Divina Comédia”. Gafes a parte, o fato infelizmente reflete a incultura que grassa nas plagas de nosso vasto país.
Já se disse que o brasileiro é um povo que não lê, para isso sendo apontadas várias causas. De fato, não se tem neste lado do Atlântico um vínculo sólido com a cultura. Embora honrosas exceções, o que mais se detecta é a tal cultura de almanaque com frequentes emissões de opiniões sobre assuntos aprendidos “por alto”. O restante consiste, infelizmente, em puro desconhecimento que se subdivide em quase analfabetismo e no analfabetismo declarado. Isso representa que uma imensa maioria está no mundo, mas não faz parte efetiva dele mostrando-se incapaz de compreender os complexos processos que fazem da vida hodierna um quebra-cabeça de solução nem sempre fácil.
Um dos problemas da cultura do Brasil é a ausência de tradição cultural. Na minha infância e juventude fui aluno de escolas públicas e vivenciei na pele as falhas do sistema de ensino do país. Talvez por isso eu nunca tenha desenvolvido sensibilidade arguta para a música clássica e tenha experimentado dificuldades em apreender as características e belezas da pintura e artes plásticas. Foi desse modo que gente como Picasso, Gauguin e Van Gogh acabaram sendo descobertas algo tardias da minha embotada sensibilidade estética.
As afirmações que faço não nascem de acaso ou suposição. Antes, foram geradas por constatações que, ao longo do tempo, compuseram a visão genérica de que hoje sou possuidor sobre a valorização da cultura no Brasil. Creio que um dos mais reveladores impactos sobre o meu modo de ver a arte se deu na primeira vez que tive oportunidade de visitar Paris. Deixando de lado certa admiração pueril pela cultura francesa e tudo o que ela foi capaz de produzir, o fato é que a visão de obras originais e não cópias – esse contato magnético que se estabelece entre aquele que olha e o mestre aprisionado nos traços que imprimiu na tela – conferiu realidade, ainda que póstuma, a nomes até então conhecidos apenas através de livros. Mais que isso, impressionou-me, durante visitas a museus, o fato de escolares, ainda pequenos, assistirem a aulas diante de telas famosas. Aqui crianças ouvindo explicações sobre uma tela de Monet; ali mais crianças aprendendo sobre a arte de Manet; e assim por diante.
Não tivemos, nem temos coisas assim aqui. Nossa formação cultural é outra. Ainda assim é triste constatar o descaso e a posição secundária a cultura no país. A leitura poderia ser uma alavanca para a melhoria do padrão cultural do povo, mas esbarra nas dificuldades de obtenção de livros. A escassez de boas bibliotecas, livros caros e até a falta de tempo de um povo que trabalha e gasta inúmeras horas se locomovendo em sistemas de transporte que não acompanham o ritmo acelerado de desenvolvimento do país constituem-se em barreiras para o crescimento de um público leitor.
Mas, que não se perca a esperança. Não se pode olvidar que o Brasil ainda é uma nação jovem quando comprada às velhas matrizes européias. Daí que se está plantando, devagar é verdade, mas plantando. Um dia se colherão os bons frutos desse plantio e certamente existirá no país um padrão cultural mais democrático e aceitável.