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Ouvindo música
Conheço gente para quem qualquer ruído é um problema. O apito de aviso a pedestres no portão de saída para carros, no prédio, é um tormento. Briga-se em reunião de condomínio porque a vizinha do apartamento de cima teima em usar salto alto e o toc-toc é insuportável.
Há pessoas que detestam música, não importa o gênero. Som ligado é um inferno. Verdade que às vezes a turma exagera no volume. Quando o Moraes Moreira ainda não era o Moraes Moreira, fui ao Teatro Municipal, em São Paulo, assistir a uma apresentação de novos músicos baianos. Éramos, ao todo, umas trinta pessoas na plateia. Aí entrou o então Moraes Moreira no palco com um som de trio elétrico que fez tremer as paredes do teatro. Aguentei durante algum tempo e depois saí. Não sei se quem estava lá resistiu até o fim. Quando? Acho que eram os anos setenta, se bem me lembro.
Não vivo sem música. Não tive formação em música clássica de modo que não sou muito ligado às obras dos grandes mestres. Adoro Mozart, mas fico quase só nele. No mais ouço - o tempo todo disponível - jazz e MPB. Cresci ouvindo jazz. Naqueles ermos só existiam por aqui discos importados, comprados nas boas casas do ramo. LPs. Capas maravilhosas, discos grandes, estonteantemente mais belos que a simplicidade dos atuais CDs. Nada de MP3 e das rádios pelas quais se ouve, hoje em dia, qualquer tipo de música, via internet. Naquele mundo a variedade era pequena, amávamos e cuidávamos de nossos discos. Lembram-se dos toca-discos Garrard e da dificuldade de substituição de agulhas que reproduzissem o som com fidelidade? Depois vieram muitas outras marcas e hoje se sabe que o som dos LPs é muito mais puro que o dos CDs.
Foi através de LPs que ouvi pela primeira vez o Take Five do Dave Brubeck que morreu dias atrás. Através deles conheçi a música de Thelonius Monk, do Modern Jazz Quartet, de Stan Getz, Gerry Mulligan, Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, isso para citar uns poucos grandes nomes do jazz.
Tive a sorte de assistir ao vivo apresentações de muitos dos grandes músicos do jazz. Houve tempo em que vinham ao Brasil, patrocinados pelo governo norte-americano, ou em excursões. Mais tarde pude ir aos EUA e assistir a apresentações de músicos nas tradicionais casas de jazz como o Village Vanguard e o Blue Note, em New York.
Quanto à MPB também tive a sorte de assistir ao nascimento da Bossa Nova, ouvindo grandes sucessos que hoje se repetem no momento em que surgiram. Aquele “Chega de saudade” do João Gilberto, com a música do Jobim, outro dia li que o LP original tornou-se raridade.
Escrevo sobre isso talvez porque ainda não tenha me habituado com a facilidade de se ouvir música hoje em dia. Basta ligar um tablet, conectado à internet, a um amplificador e caixas de som para acessar centenas de rádios que reproduzem todos os gêneros musicais. É bom, na verdade ótimo. Mas, de vez em quando, me dá alguma saudade daquele privilégio de ter um equipamento de som em casa, de chegar da rua com um LP debaixo do braço e colocá-lo no pick-up para ouvir solos de meu músico preferido. Mas, o tempo não volta. Essas coisas pertencem a uma época desfeita e o jeito é avançar as gravações de MP3, ouvindo-as no som do carro.
Time Out
Nesses dias completam-se 50 anos desde o lançamento do disco “Time Out” do “The Dave Brubeck Quartet”. Inesquecível.
Só não sei dizer quando ouvi o LP pela primeira vez. No máximo me recordo de uma esquina em cidade do interior e o som de “Take Five” vindo da janela aberta de um prédio de três andares. Se bem me lembro a janela era a do consultório de um dentista que, em seu momento de folga, deliciava-se com o piano de Dave Brubeck.
O quarteto de Brubeck formou-se em 1951, em São Francisco, Califórnia. A gravação de “Time Out” aconteceu no meio do ano de 1959 numa antiga Igreja, em Nova York. Na ocasião o quarteto era formado por Brubeck ao piano, Paul Desmond ao saxofone, Joe Morello na bateria e Eugene Wright no contrabaixo. A música “Take Five” teve estrondoso sucesso, embora suas inovações rítmicas através da arrojada utilização de um tempo 5/4.
O disco saiu o pela gravadora Columbia que, segundo consta, não estava muito a fim de levar o projeto adiante porque as músicas eram novas e entre elas não havia nenhum “standart”. Mas, ao contrário do que acreditavam os homens da gravadora, o público estava preparado para receber as inovações que fizeram o quarteto ser conhecido mundialmente.
Ainda hoje se ouve “Time Out” com grande prazer e interesse. Se com o passar do tempo as inovações rítmicas deixaram de impressionar, persiste a beleza dos solos dos músicos, entre eles Paul Desmond. O sax de Desmond tem um som puro, sendo tocado longe do microfone. Desmond definia o seu estilo cool de tocar dizendo que ele sempre quis soar como um martini seco.
Dave Brubeck sempre foi um caso a parte. Exímio pianista tem tocado com diversas formações, gravando com os principais nomes do jazz. Foi aluno do compositor e professor francês Darius Milhaud, um dos artífices da politonalidade. Dos estudos e inovações de Brubeck nasceu o estilo arrojado que pode ser ouvido nas inúmeras gravações disponíveis que trazem o seu nome.
Pessoalmente, vi Dave Brubeck em atividade uma única vez, isso há muitos anos. Apresentou-se ele em São Paulo com um quarteto no qual figuravam dois de seus filhos. Na época Paul Desmond não estava mais no grupo. Aliás, Desmond morreu em 1977, aos 52 anos. Como não tinha descendentes, o saxofonista destinou os royalties de suas gravações à Cruz Vermelha norte-americana que, graças a isso, recebe cerca de 100 mil dólares por ano.
Dave Brubeck está com 88 anos de idade e ainda se apresenta com invejável energia. Através da Internet pode-se comprar ingressos para um show que ele fará, no dia 24 de março de 2010, no Wells Fargo Center, Santa Rosa, Califórnia.
Vida longa ao grande Dave Brubeck que, com sua música, tornou os nossos dias mais agradáveis nos últimos cinquenta anos.