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O Supremo Tribunal Federal
Nos meus tempos de rapazote tive a feliz oportunidade de conhecer o Ministro Nelson Hungria, então Ministro do Supremo tribunal Federal (STF). Hungria tornou-se conhecido pelo epíteto de “Príncipe dos Penalistas Brasileiros” e escreveu várias obras. Entre seus trabalhos figuram o anteprojeto do Código Penal de 1940 e os Comentários ao Código Penal, publicados na década de 50.
A feliz coincidência de conhecer o Ministro deu-se face aos laços afetivos que o ligavam à região da Serra da Mantiqueira onde morávamos. Tornou-se ele amigo de meu pai a quem recebeu algumas vezes no Distrito Federal. Entre ele e meu pai estabeleceu-se farta correspondência cujo destino ignoro.
Nelson Hungria aparecia no vilarejo onde morávamos sem avisar. Certa vez veio ele no início da tarde, procurando por meu pai que, na ocasião, estava viajando. Foi assim que surgiu a oportunidade de conversar durante algum tempo com o Ministro. É forçoso dizer que na época eu tinha cerca de 14 anos de idade e, obviamente, não seria nem de longe um interlocutor à altura para os assuntos de que se ocupava o Ministro. Também é forçoso dizer que aqueles eram outros tempos nos quais a família se preocupava, talvez bem mais que hoje, com a cultura dos seus rebentos. De fato, era comum que eu ouvisse em casa advertências do tipo “é preciso estar preparado para conversar com qualquer pessoa sob o risco de passar por beócio”. Estimulava-se, assim, o conhecimento de alguns autores importantes e mesmo a leitura de jornais. Jamais me esquecerei de um vizinho, sapateiro, que assinava o “Correio da Manhã” do Rio de Janeiro e, diariamente, recortava as tiras do desenho “Mutt e Jeff” as quais me dava, sempre dizendo: é para que você tome o gosto pela leitura. Chamava-se Brás esse homem de muitas luzes e pouca formação escolar que, aliás, não fazia falta a ele.
Naquele dia o Ministro Nelson Hungria falou-me sobre sua recente viagem à Europa, destacando a visita que fizera à Rússia, então Cortina de Ferro. Contou-me ele sobre as agruras de sua chegada quando teve problemas para entrar no país, sendo salvo por um paulista que o reconheceu e instou junto às autoridades sobre a importância do homem que estava a visitá-los. Depois disso o Ministro passou a ser muito bem recebido sendo, inclusive, entrevistado pelo “Pravda”. Andei pelos jornais - afirmou ele.
A certa altura arranjei coragem e perguntei ao Ministro sobre o que achara da estatização na Rússia. Eram os tempos da Guerra Fria, o tema era palpitante de modo que o Ministro não pareceu surpreso com a pergunta partindo de um rapazote. Relatando que tomara contato com um processo de estatização total o Ministro acrescentou vários comentários, alguns deles, sinceramente, acima da minha capacidade de compreensão de então.
O dia da visita do Ministro ficou gravado na minha memória. Foi a partir dessa ocasião que adquiri grande respeito pelo cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal e pelo próprio Supremo, tribunal acima das paixões e sustentáculo maior da República. De modo que, para mim, tornam-se incompreensíveis os fatos recentes envolvendo decisões do STF que, de repente, parece ter descido ao caloroso mundo dos embates entre ideias conflitantes, muitas vezes optando por decisões no mínimo duvidosas a ponto de ministros declararem pela imprensa sua discordância. A recente e polêmica decisão sobre a não extradição de Cesare Battisti e, agora, essa sobre a transparência das contas relacionadas a obras para a Copa de 2014 dão o que pensar. É triste ler na imprensa que o STF liberou geral e uma cortina de fumaça encobre a Copa e o passado. Ainda que tudo possa vir a ser explicado torna-se confuso ouvir de um ministro que teria extraditado Battisti “correndo”.
Diante disso tudo o melhor é esquecer o presente e ficar com aquela tarde na qual um rapazote recebeu a atenção de um Ministro, homem cuja real importância e ilustração escapava a ele quase que inteiramente.