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Falando com o futuro
Um homem está diante de uma filmadora, resolvido a gravar impressões sobre coisas que venham à sua memória. É o dia do seu aniversário, data em que se torna, finalmente, um sexagenário. A idéia é realizar um depoimento que, talvez um dia, venha a ser visto pelos seus descendentes. Anima-o não ter conhecido os seus avós: o que não daria ele para receber agora uma mensagem de seus antepassados, vê-los em suas plenitudes, enfim conhecê-los?
O projeto parece-lhe interessante, talvez seja um meio de preservar valores, estabelecer identidades, quem sabe alertar as gerações futuras sobre a solução de embaraços vivenciados anteriormente. Além disso, não se trata de coisa que se faça sem emoção: é para um público ainda inexistente que o homem se dirigirá, gente desconhecida, mas que, espera ele, pertença ao seu clã, carregue em seu genoma pelo menos alguns de seus genes.
Os primeiros momentos diante da filmadora são de absoluto silêncio. A imagem do homem vai sendo gravada e ele percebe que está sendo observado pelos olhos do futuro. Então sua condição lhe parece inevitavelmente retrógrada. Diante da filmadora ele se converte, a um só tempo, em presente e passado. Passa-lhe pela cabeça que talvez esteja se expondo ao ridículo e possa ser, no futuro, objeto de troça de seus próprios parentes. Que terá feito ele na vida para deixar como legado às gerações futuras? Que experiências acumulou que possam acrescentar algo à existência dos que o assistirão? Poderá ele ser honesto em suas declarações, ainda que obrigado a omissões de alguns desvios, mesmos aqueles que lhe foram impostos pelas circunstâncias?
O que segue é um breve currículo pessoal, comentários sobre pessoas próximas, um breviário sobre atuação profissional e impressões desarrumadas sobre a sociedade globalizada. Uma pitada sobre a violência, outra sobre crises econômicas, um recuo na história recente, a declaração de amor ao time de futebol preferido, um rascunho sobre a corrupção e explicações sobre a mudança de hábitos proporcionada pelos incríveis avanços tecnológicos verificados nos últimos anos. Há também pausas, numa delas a presença de lágrimas diante da idéia romântica de que quando isso for assistido ele não estará mais aqui. O deixar de existir e a permanência de sua imagem num futuro incerto o emociona.
Como termina? Deixo o fim em aberto. Pode ser que o homem se enforque em seguida, daí o filme ter sido o seu modo de despedir-se do mundo; também pode ser que o homem desligue a filmadora e guarde o filme para que seja visto no futuro; e existe a possibilidade de que ele simplesmente conclua sobre a inutilidade de seu ato e apague a fita em que gravou o seu depoimento.
Fica a critério do caro leitor a escolha do final que achar conveniente para a história do homem que pretendeu falar com o futuro.
E, vale a pergunta: se você estivesse diante de uma câmera para deixar algo gravado para a posteridade, o que diria? Como se apresentaria aos seus bisnetos?
Você tem uma filmadora?