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Fortunas
Bill Gates mora numa casa muito grande. Localizada em Washington a casa vale 147,5 milhões de dólares. Na internet mostram-se outras casas de celebridades todas cujos valores são exorbitantes. Sejam felizes.
Divulga-se que mais de 80% da riqueza do mundo está nas mãos de 1% das pessoas. É bom lembrar que a população mundial ultrapassa 7 bilhões de pessoas. Esse 1% da população mundial detém o equivalente a 50% da riqueza em mãos dos mais pobres, ou seja, de 3,5 bilhões de pessoas. Entre nós, 30% da riqueza do país está nas mãos de 1% da população.
São dados chocantes que alimentam a discussão sobre a desigualdade social. Debates sobre o assunto repetem-se em fóruns econômicos mundiais. O sempre desejável crescimento econômico precisa ser inclusivo, levando-se em consideração as disparidades existentes nas várias partes do mundo. Mas, na prática poucos avanços têm sido alcançados. Os milhões de desempregados no Brasil constituem-se em eloquente mostra das dificuldades em minorar a desigualdade social.
Resta-nos assistir, diariamente, ao triste espetáculo da miséria que nos cerca. Não há dia que não sejam encontrados, junto aos sinais de trânsito, pessoas que se aproximam dos carros pedindo ou vendendo alguma coisa. Em programas de televisão acompanha-se a exploração da miséria alheia que é exposta de modo muitas vezes ultrajante. A miséria e a violência são temas permanentes dos noticiários.
Pois eis que se aproximam novas eleições. Mais uma vez os brasileiros serão chamados a comparecer às urnas para a escolha de candidatos que lhes pareçam indicados à solução de graves problemas. As eleições serão precedidas pelo período eleitoral no qual serão ouvidas promessas e propostas na maioria das vezes não cumpridas.
Mas, há que se ter esperança. Há que se dar aos homens um voto de confiança. Talvez entre os muitos candidatos que se apresentam encontrem-se aqueles realmente interessados em minorar a desigualdade social. Milhões de pessoas esperam por condições melhores de sobrevivência.
Há que se ter um olhar fraterno em relação aos que sofrem.
O discurso
O Tal falava alto para todos ouvirem.
“Porque o mundo ficou assim? Por falta de liberdade. O sistema destruiu a liberdade do homem. Somos dominados por um código que nos restringe. Quem pensa que com liberdade o mundo seria incontrolável está errado. Não! Homens livres, sem a pressão do sistema, usam de bom senso. Que não se confunda um mundo livre com anarquismo. Nada de anarquia. Anarquistas não fazem reunião. Anarquistas são vítimas do próprio anarquismo ao qual têm que obedecer. Anarquistas não são verdadeiramente livres. Nem são livres esses homens que saem às ruas protestando. Eles não protestam por liberdade. Eles querem romper o sistema vigente para colocar outro no lugar. Fazem o mesmo que os políticos que buscam cargos para repetirem a mesma coisa. O que acaba com o mundo é o continuísmo. Se vocês pensarem bem o mesmo é sempre trocado pelo mesmo. Por isso nada muda de verdade. Os homens deixam-se enganar por promessas que nunca serão cumpridas. O mundo virou um faz de conta, não é verdade? Você faz de conta que a violência não vai chegar à sua casa, faz de conta que a sua vida é boa, faz de conta que é feliz. Você não é feliz porque a felicidade é impossível num mundo sem liberdade. Liberdade individual, liberdade coletiva é do que precisamos. Parar com essa conversa de que precisamos deixar um mundo bom para as gerações futuras. Precisamos de um mundo bom agora, agorinha. Preciso de um mundo coerente enquanto estou vivo. Isso não é egoísmo. Isso não é não se preocupar com o futuro. De que adianta projetos para daqui a 100 anos se hoje a miséria está aí, visível aos nossos olhos? Que me interessa saber que daqui a um século os serviços de saúde atenderão a todas as pessoas com dignidade e eficiência? De que me adianta saber que daqui a um século finalmente reinará a igualdade entre os homens? Você acredita nisso? Você que se empenha tanto, você que se acaba no trabalho para garantir o sustento da sua família, você acredita mesmo que está contribuindo para um mundo melhor no futuro? Pelo amor de Deus, o nosso futuro é agora. O meu futuro será o da tarde deste dia só se eu continuar vivo até lá. Nenhuma teoria, nenhuma filosofia resiste ao impacto de uma realidade como essa. Por isso digo que já passou da hora de romper com essa vida robotizada. Chega de faz de conta. Chega da passividade com que nos deixamos enganar. Chega de dar ouvidos a promessas falsas. Chega de mentiras. Chega de um sistema que nos oprime. É hora da liberdade. Precisamos ser livres, acreditem é essa a única solução.”
O Tal era um velho dentro de um terno amarfanhado. Quando chegamos à estação ele desceu sem se despedir. Então a mulher sentada ao meu lado comentou que nesse mundo tem louco para tudo. Uma senhora sentada à frente ouviu e voltou a cabeça para concordar. Mas, um rapaz que ouvira atentamente o discurso discordou, dizendo que talvez que talvez o Tal tivesse alguma razão.
No mundo dos ricos
Um amigo a quem não vejo a tempos ridicularizava o dito popular de que “dinheiro não traz felicidade”. Ele dizia: “então eu não quero ser feliz”.
Os realmente ricos talvez não tenham o mesmo prazer em conquistar as pequenas coisas pelas quais lutamos tanto. A casa própria, por exemplo.” Quem não herda fica na m…” garante outro dito popular. Mas, a quem não herda só resta conquistar. A nossa casa duramente conquistada demarca a fronteira de nossas pequenas posses no mundo. Trata-se do tal lar inviolável que hoje em dia já não anda tão inviolável assim - que o digam os criminosos.
O tamanho das coisas depende de para quem se destinam. Se você compra uma TV só o faz depois de uma pesquisa de preços e longo namoro com o modelo que deseja. Sabe que está adquirindo um aparelho que usará nos próximos anos o que torna o investimento interessante. Mas, o que seria a compra de uma bobagem como uma TV para gente muito endinheirada?
Por outro lado os ricos desfrutam de outros tipos de prazer dado terem acesso a coisas proibitivas ao comum dos mortais. Restaurantes caros, hotéis fantásticos, viagens, bebidas de alto nível, roupas de grife e outras benesses fazem parte da rotina de quem tem dinheiro. Não dá para comparar o mundo dos ricaços com aquele em que vivem as classes menos favorecidas.
A turma da sociologia estuda e escreve com frequência sobre as condições de vida em favelas e a criminalidade. Em geral aponta-se diferenças de formação e a certeza de que nada do que se possa fazer mudará muito da condição em que se vive. A total falta de infraestrutura, a fome e a impossibilidade de ter acesso aos bens de consumo explicariam a busca do dinheiro fácil através do crime. Não é tão simples assim, mas passa por aí. Fala-se muito sobre esse assunto, mas pouco se faz no sentido de reduzir a imensa desigualdade social no país.
Não sei bem com que intenção se publicam informações sobre a riqueza dos ricos. Hoje foi divulgada a lista das 15 famílias mais ricas do Brasil. A fortuna da mais rica chega à casa dos R$ 30 bilhões. A quem interessa saber disso? Além do que fica-se coma impressão de que essas pessoas endinheiradas não fazem nada e vivem em permanente festa. E você, por que mesmo o seu nome não consta da lista?
No fim das contas fico com os saberes das gentes da cidadezinha onde nasci e cresci. Dizia-se lá que no fim todo mundo se iguala porque ninguém escapa da caveira que carrega a foice que decepa as nossas vidas.
Mas, que um dinheirinho é bom, isso ninguém nega.
México-70
Nada a ver com a inesquecível conquista pelo Brasil da Copa do Mundo realizada em 1970 no México. Trata-se da favela México-70 localizada na cidade litorânea de São Vicente. Por volta das 3h da madrugada houve início de um incêndio que destruiu mais de 100 barracos, deixando desalojadas mais de 200 famílias. Os que perderam seus barracos estão agora numa escola e a prefeitura promete ajuda de R$ 400,00 mensais para que possam alugar um imóvel.
No mundo das informações que chegam a cada instante certamente não se dá muita atenção a uma tragédia como essa. Recebemos a notícia de que houve um incêndio na favela, sem vítimas, e logo nos esquecemos disso. Pensa-se no assunto durante o tempo de leitura do jornal, sentimos a dose de pena que o fato nos provoca é isso e tudo. A vida segue em frente, cada um tem os seus problemas, salve-se quem puder.
Mas as coisas não se passam assim tão ligeiras quando a desgraça se aproxima da gente. Notícias que se transformam em pessoas de carne-e-osso afetadas por um incêndio deixam de ser apenas informações e tornam-se realidades palpáveis.
Acontece que um dos funcionários da limpeza do prédio onde moro é um dos que tiveram seu barraco destruído pelas chamas na Mexico-70. Ouvi-lo falar sobre o fogo e a situação em que se encontrava no momento com sua mulher e filho é muito mais que constrangedor. Contou-me ele que dormia quando foi acordado por pessoas gritando. Saindo à porta do barraco pode divisar o fogo que avançava na sua direção. Disse que a sensação de ver o fogo consumindo a moradia de tanta gente e vindo para o seu barraco é coisa simplesmente incrível. Ele mal teve tempo de acordar a mulher e o filho para, em seguida, correrem. Saíram a tempo de se safar do fogo que já atingia o barraco.
Perderam tudo. Exatamente tudo do quase nada que possuíam. Restaram as roupas do corpo e o desespero. Agora estão alojados na escola, esperando que a prefeitura os conduza a algum lugar onde possam morar.
A história do rapaz suscita divagações a começar pela desigualdade social e existência da pobreza. Admiro nele a aceitação da desgraça como componente natural da vida. A esperança de que no fim as coisas se ajeitarão demonstra invejável pertinácia.
Quando me despeço dele ouço que além do mais perdeu uma televisão - dessas de tela fininha - que comprou e ainda restam trinta prestações a pagar. Era ela, além do fogão, o bem mais valioso que tinham em família.
Passo o dia com essa história na cabeça, não consigo me desvencilhar da imagem do rapaz que perdeu tudo no incêndio da México-70. Rapaz trabalhador que sempre vejo a toda manhã e me cumprimenta com um sorriso de bom-dia.