dialeto caipira at Blog Ayrton Marcondes

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Certas linguagens

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Nunca fui à Alemanha, mas imagino as dificuldades que teria por não falar alemão. Aprendi um pouquinho de francês no ginásio, durante as aulas de Dona Clara. Era uma francesa que falava português com muito sotaque. Rígida, não admitia descaso em relação á língua mãe de seu país. Na primeira vez que li um texto para ela mostrou paciência, embora o semblante fechado. Como alguém poderia expressar-se tão mal na língua de Victor Hugo e Balzac?

Certa vez em Paris fui à igreja de Sacre Coeur e decidi voltar a pé ao hotel. Naturalmente me perdi, errando por ruas desconhecidas. Até que encontrei um francês e pedi a ele informações. Mas, os anos haviam se passado desde os tempos das aulas de Dona Clara. De modo que se travou ali um diálogo entre surdos o qual, surpreendentemente, acabou por resolver o meu problema.

Os excessos de comunicação a que somos diariamente submetidos proporcionam misturas de linguagens nem sempre concordantes. Torna-se, por vezes, difícil compreender o significado exato de muitas proposições. Veja-se o caso da internet na qual pululam termos importados, em geral em inglês, mas com significados diferentes dos habitualmente utilizados.

Fui criado em cidadezinha do interior na qual falava-se linguagem próxima ao chamado “dialeto caipira”. Além da pronúncia na qual os “r” se destacavam criavam-se ali abreviações, junções de palavras, mais que isso pronúncias incorretas de termos conhecidos. A isso juntava-se a grande velocidade em uso nas conversas nas quais as palavras meio que saiam encavaladas, sobrepondo-se. Eu falei essa língua até os meus catorze anos, quando sai de lá.

Pois bem. Há pouco eis que visito a cidade e encontro um velho amigo, colega do tempo de bancos escolares. Ele permaneceu no lugar e, exceto fisicamente, pouco mudou. De modo que lá veio ele com o nosso antigo ritual de linguagem e dizeres locais. Confesso que me esforcei, mas quase não o entendi. O verniz das cidades e leituras variadas havia comprometido minha língua mãe.

Despedi-me aborrecido. De repente era como se eu tivesse pedido uma parte de mim, soterrada por essa indesejável confluência de novos maneirismos que tanto nos confundem.

De lá para cá tenho me exercitado, buscando na memória o velho linguajar, forçando nos “r”. Luta inglória na tentativa de tornar a ser caipira.

A língua geral

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Então eu pedi um “galfo”.

Isso mesmo: um “galfo”. Pedido feito tive que suportar o olhar surpreso das pessoas à mesa. Então a dona da casa levantou-se e colocou ao lado do meu prato o “galfo”.

Mas, por que “galfo”? Acontece que almoçávamos na casa de um médico conhecido. Para mim aquele era um ambiente muito chique. Antes de chegar meu pai tinha me advertido sobre os cuidados com o jeito de falar. Principalmente com os meus “Rs”. Ora, eu não entendia o que havia com o meu “R”. De fato, carregava muito na pronúncia, consequência do dialeto que falávamos no lugarejo em que morávamos. Era a nossa “língua geral” que ainda hoje é falada pelo povo da roça. Língua truncada na qual subtraíam-se consoantes e vogais de palavras, daí o sotaque estranho e quase incompreensível. O Onofre era o “Norfo”, forçando-se no “R”, por exemplo. Afora dizeres como “pinchar fora” muito usado no cotidiano. E muitos outros.

No dia do tal almoço eu tinha pouco mais de 10 anos de idade. Era um pequeno caipira desambientado no “chique” da cidade. Acostumara-me a ver pessoas simples, dividindo a comida de uma panela, passada de um a outro num círculo com uma única colher de uso coletivo. Vivíamos num delicioso ambiente simples.

Vida afora tive que lutar para reduzir a potência do meu “R”. Quando comecei a falar em público os ouvintes riam da minha pronúncia, aliás aprimorada nos dois anos em que vivi em Itu-SP. Mas, com o tempo fui me envernizando.

Vez ou outra falo em casa como nos velhos tempos. As pessoas me olham curiosas, às vezes me perguntando sobre o significado do dialeto caipira. Mas, o que eu queria mesmo dizer é que tenho saudades daqueles tempos e de nossa língua geral. Hoje tenho que me esforçar - aliás, sem conseguir - para reproduzir aqueles deliciosos “Rs”, coisa de gente forte que dá belas bananas para o mundo. Entretanto, no dia-a-dia continuo dentro desse verniz que se colou à minha pele. Infelizmente.