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Testamento político
Eu tinha sete anos de idade em agosto de 1954, no dia em que Getúlio se suicidou. Soube da morte do presidente na rua, chão de terra, do distrito em que morava. Meninos como eu repetiam: o Getúlio morreu.
Notícia espalhada a molecada correu à casa do seu Getúlio. Era ele o funcionário da Sul Mineira, companhia de eletricidade. Mas, o seu Getúlio estava bem vivo. Só aí compreendemos tratar-se de outro Getúlio que era o presidente da República, fosse lá o que isso fosse.
Ao entrar em casa com os pés descalços e sujos de sempre minha mãe me fez voltar e limpá-los. Chão de terra na rua, mas dentro de casa asseio e limpeza! Era a regra.
Encontrei meu pai e dois homens com os ouvidos grudados no rádio da sala. Ouviam notícias do Rio. Não me lembro de uma só palavra dita na ocasião, mas ficaram-me imagens das faces dos homens diante do rádio. Faces tensas, preocupadas, uma delas mal contendo as lágrimas.
A todo instante a carta-testamento de Getúlio era lida, causando grande impacto nos ouvintes. Só anos mais tarde eu viria a compreender o “saio da vida para entrar na história”. Era o fim de um ídolo amado pelas multidões, figura controversa, ditador e mais tarde presidente eleito que não resistiu ao episódio da Rua Toneleiros.
Lembrei-me do dia da morte de Getúlio ao ver a presidenta Dilma defender-se no Senado. Era julgada por crimes fiscais cometidos na presidência. A certa altura o impeachment foi comparado com assassinato político. Dilma fez seu testamento político e comparou-se a Getúlio. Mas, a carta de Getúlio fora a ”carta de um morto”, daí a impossível comparação.
No Brasil existem fatos e datas inesquecíveis. A derrota de 50 no Maracanã, o suicídio de Getúlio… Não parece que o impeachment de Dilma, caso aconteça, possa ombrear-se, em igual relevância e memórias, com os grandes acontecimentos que tanto nos marcaram.