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Asas da liberdade
Ontem li sobre uma jovem síria que imigrou para o Brasil para fugir à guerra que devasta o seu país. Uma foto dela participando de um protesto contra o ditador Bashir al Assad e a possibilidade de vir a ser presa e torturada foi o estopim para que saísse da Síria. Na foto do jornal a moça aparece com o rosto protegido por um lenço dado o medo de ser reconhecida e, em consequência, sua família vir a ser perseguida na Síria.
O que a moça síria mais estranha no Brasil é a liberdade de poder falar o que lhe der na telha. Há democracia e liberdade, direitos garantidos por lei, enfim essas coisas que fazem parte do nosso cotidiano para as quais não damos importância porque parecem tão naturais. Verdade que quem conviveu com os anos da ditadura militar iniciada com o golpe de 64 no país tenha clara noção do que representa a obrigatoriedade da boca fechada. Não sai da minha memória o silêncio predominante dentro dos ônibus que eu tomava diariamente em São Paulo. De todo modo um assunto era perigoso daí ser evitado: política.
Mas, é de se imaginar que impressão fará o Brasil com sua diversidade e espírito livre das pessoas a alguém saído de uma guerra na qual, a cada dia, muitos inocentes perdem a vida. Isso sem falar nas constantes baixas verificadas tanto nas forças leais a Bashar e nos revoltosos. As imagens de destruição que mostram bem o que se passa atualmente na Síria informam a que ponto tem chegado a violência naquele país.
Foto deveras interessante - e feliz - é essa que está nos jornais de hoje. A blogueira cubana Yoani Sánches foi fotografada justamente no momento em que passava pela imigração, pouco antes de embarcar em Havana. Trata-se de momento de rara felicidade na vida de quem durante anos foi - como aliás a maioria dos cubanos – impedida de deixar o país. O largo sorriso e o braço erguido no gesto de adeus da blogueira transfere-nos de imediato simpatia não só por ela mas pelo significado do momento. Está ali, documentada por foto, a própria liberdade num raro instante que se permitiu mostrar-se abertamente aos nossos olhos.
Pena que em relação à visita de Yoani ao Brasil tenha se noticiado sobre a existência de um movimento para difamá-la. Corre que com a participação do corpo diplomático, de dirigentes partidários e de funcionários do governo haverá a distribuição de um dossiê contra a blogueira. Fato lamentável caso se confirme. Se verdadeiro certamente se trata da velha admiração por Fidel Castro e a ditadura cubana, hoje em dia claudicante em seu próprio pais.
Independentemente de paixões ideológicas e partidárias o que se deve comemorar é a instalação da liberdade de ir e vir aos cubanos. Nada atinge mais o ser humano, nada o deixa mais perplexo, que a perda da liberdade individual por imposição de governos. Saúde-se, pois, o momento em que Yoani Sánches ganha a liberdade de sair do seu país, isso após anos de tentativas e mais de 20 pedidos recusados.
Bandidos e presos políticos
Em boca fechada não entra mosquito. Essa máxima da sabedoria comum vale para toda gente, ainda mais quando se ocupa um cargo nada mais, nada menos, que a presidência da República.
Em primeiro lugar há que se levar em conta a diferença entre o público e o privado, duas condições frequentemente confundidas. A alguém que possui determinada convicção pessoal é dado falar sobre ela em público, envolvendo um cargo que transitoriamente ocupa? Por outro lado, é possível a alguém que ocupa determinado cargo falar em nome de si mesmo, isentando-se da condição maior outorgada pelo mesmo cargo? Em suma: pode o presidente da República fazer uma declaração de natureza política, dizendo que expõe a sua opinião pessoal, não necessariamente vinculada à função que exerce enquanto presidente?
As perguntas anteriores podem ser taxadas como superficiais dado apenas tangenciarem uma questão bem mais profunda, ou seja, a da personagem pública que se torna inseparável da personalidade individual. Entretanto, elas têm o mérito de nos direcionar para uma certeza: se alguém ocupa um alto cargo administrativo convém a ele(a) medir a extensão das suas palavras, se possível com a ajuda de um paquímetro. Tal nível de precisão é mais que necessário no caso da presidência da República porque quase sempre se entende que a pessoa que está presidente fala em nome de um governo, quando não do próprio país que está a governar.
Por essas e outras se lê com alguma preocupação a manchete da folha de rosto do jornal “Folha de São Paulo” de hoje. Está escrito: “Lula compara preso político de Cuba aos bandidos de São Paulo”.
Mais abaixo o jornal publica a declaração do presidente: “Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos. A greve de fome não pode ser um pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”.
Segundo o texto preso é preso, não importam os motivos da detenção e ponto final. Sem entrar em maiores detalhes sobre essa incrível declaração o fato é que dela emanam os humores exalados pela admiração acrítica de certa parcela do esquerdismo nacional por Fidel Castro e a ditadura cubana.
Infelizmente, declarações como as feitas pelo atual presidente da República depõem negativamente num cenário de pugna pelo restabelecimento da democracia em todos os países da América. Declarações dessa natureza permitem, por exemplo, que o preso político cubano Guillermo Fariñas atribua ao presidente do Brasil a pecha de “cúmplice da tirania de Castro”.
Aliás, Fariñas está a 15 dias em greve de fome pela libertação de 26 presos políticos cubanos. Para ele “a maioria o povo cubano se sente traída por um presidente que um dia foi preso político”.
Pois é, em boca fechada não entra mosquito.