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Toque de recolher
A menção a “toque de recolher” sempre me remete ao filme “Missing” no qual o ator Jack Lemmon faz o papel de um pai que vai ao Chile procurar pelo filho, morto pela ditadura. O “toque de recolher” na cidade de Santiago é mostrado no filme com toda a dramaticidade possível, envolvendo pessoas em trânsito que não conseguem chegar a tempo em casa e veem-se obrigadas a procurar refúgios até a manhã seguinte. Após a hora marcada para o início do “toque de recolher” ninguém pode ficar nas ruas sob-risco de defrontar-se com soldados dispostos a tudo, circulando em todas as direções nos jipes do exército.
Talvez essas imagens tenham ficado gravadas na memória porque, tempos depois, conheci um chileno, então radicado em São Paulo, que viveu em Santiago ao tempo do início da ditadura de Augusto Pinochet. Como se sabe o socialista Salvador Allende, então presidente da República, foi sitiado por tropas militares no Palácio de La Moneda e consta que tenha se suicidado para não se entregar. Iniciava-se um triste período na história chilena, com perseguições, mortes e toda sorte de crimes contra cidadãos comuns. O fato é que o chileno, de cujo convívio privei durante algum tempo, contou-me sobre os horrores daqueles dias em que as pessoas eram levadas o Estádio Nacional, sendo que de muitas delas não restaram notícias.
De todo modo o “toque de recolher” consiste em ordem decretada pelas autoridades proibindo que pessoas permaneçam nas ruas após determinada hora. Trata-se de prática utilizada em períodos de guerra ou até em algumas cidades que através de decreto determinam o recolhimento de menores às suas casas em horas avançadas da noite.
Entretanto, existe, ainda, outro “toque de recolher”, esse determinado por criminosos que assumem temporariamente o controle da situação. Há que se lembrar o grande ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital) à cidade de São Paulo que obrigou milhares de pessoas a recolherem-se às suas casas, deixando as ruas da capital completamente vazias em dia normal de trabalho. Era como se uma grande bomba estivesse pra explodir e as pessoas faziam o possível para deixar seus locais de trabalho. Notícias desencontradas corriam para todo lado e a população tratou de salvar-se de uma hecatombe que, afinal, não existiria.
Bem, ontem houve outro “toque de recolher” determinado por criminosos, dessa vez restrito à Cidade Tiradentes, zona leste da capital. Reagindo a mortes de criminosos pela polícia, criminosos determinaram o fechamento de lojas, postos de saúde, escolas, terminais de ônibus, igrejas, creches etc. A ordem era fechar as portas e não permanecer ninguém nas ruas coisa de fato aconteceu.
Embora os desmentidos o fato é que mais uma vez criminosos mostraram sua força contra cidadãos estarrecidos e obrigados a cumprir ordens de um poder paralelo que oferece perigo a quem se propor a resisti-lo.
Enfim, trata-se de novos tempos, época em que mesmo o “toque de recolher” passa a ser utilizado por criminosos, sobrepujando a noção de ordem que rege a sociedade em que vivemos.