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A fala de Dunga
Em meados dos anos 70, vigorando a ditadura, fui a Belo Horizonte para assistir ao jogo final do Campeonato Brasileiro entre o Atlético-MG e o São Paulo. No avião cruzei com radialistas, repórteres esportivos e homens de televisão: todos eles previam uma vitória fácil do Atlético, mais time, melhor campanha e assim por diante. De fato o Atlético tinha uma equipe invejável na qual despontavam jogadores como Toninho Cerezo e Reinaldo.
Foi a primeira vez que tive oportunidade de presenciar a trepidação de quase toda uma cidade em torno de um jogo de futebol. Belo Horizonte era quase toda ela alvinegra. Bandeiras e camisas do Atlético estavam por toda parte e não se falava noutra coisa que não o jogo do dia seguinte. Vitória certa, festa preparada, os atleticanos deliciavam-se com antecedência, saboreando um título que, supunham, jamais lhes escaparia.
Na noite que antecedeu o jogo fui jantar com amigos mineiros, gente boa e torcedores fanáticos do Atlético. No restaurante realizava-se verdadeira festa com vozerio muito alto, às vezes entrecortado pela vibração coletiva aos gritos de “Atléticooooo”. Foi durante esse jantar que ouvi de um dos amigos, engenheiro na época trabalhando numa estatal, um comentário ao qual preferi silenciar. Falando de si mesmo e suas realizações o amigo emitiu a seguinte opinião sobre o governo e o país de então:
- Veja bem, sou favorável a esse governo que aí está. Antes dos militares o Brasil era uma bagunça. Eu estudei e me formei durante esse governo e consegui emprego numa estatal. Eu me sinto devedor ao governo que me proporcionou essas oportunidades. É o melhor governo que poderíamos ter.
Sem negar realizações dos governos militares, na época estávamos sob a vigência da ditadura. Os tais “anos de chumbo” eram peso muito grande dado o cerceamento de liberdades individuais, torturas etc. Aliás, o melhor mesmo era não tocar em assuntos de natureza política. Assim, nada disse ao amigo em relação à sua afirmação. Mas nunca me esqueci do que ele disse e vida afora julguei ter ele perdido excelente oportunidade de ficar quieto.
Lembrei-me do meu amigo e de sua fala ao ler as declarações de Dunga, o atual técnico da Seleção Brasileira. Em entrevista concedida logo após a divulgação dos nomes dos jogadores convocados para a Copa de 2010, Dunga deu-se ao desfrute de dizer coisas sobre assuntos fora de sua área de atuação. Dizendo que não poderia opinar sobre a ditadura e a escravidão justificou-se o técnico:
- Quem esteve lá, quem sofreu, esse sim pode dar opinião. Eu não posso dizer que a ditadura era boa, ou ruim (se) eu quero que volte. Só quem viveu é que pode nos dar a resposta. É a mesma coisa que eu falar sobre a época da escravidão, eu não vivi, como é que eu vou dizer, ah era ruim, era bom, não sei.
Eis aí outro caso em que uma pessoa perdeu excelente oportunidade de ficar calada. Não que se espere muito do técnico, mas…
Ah, ia me esquecendo: o jogo. A partida final foi realizada num domingo, 05/03/1978. Decidia-se o título brasileiro de 1977. No tempo normal houve o empate por 0X0. O jogo foi decidido através de cobranças de pênaltis, cabendo a vitória ao São Paulo que, na ocasião, sagrou-se campeão brasileiro.