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A internet e a literatura
O jornal “O Estado de São Paulo” de hoje traz foto de uma escritora canadense autografando livros nos Estados Unidos. O fato seria normal se a escritora não estivesse no Canadá exatamente no momento em que os livros eram autografados nos EUA. Como isso foi possível? O autógrafo a distância foi realizado com um aparelho chamado LongPen. Uma caneta especial utilizada pela escritora foi usada para transmitir, via internet, os dados da assinatura.
Há muita gente preocupada com os destinos da literatura e dos livros em papel dada a emergência dos blogs, do Twitter e dos e-books. Já são feitas poesias com restos de spams e emails. Circulam pela internet romances interativos, seriados, escritos a muitas mãos. Miscelâneas de textos escolhidos ao acaso podem, facilmente, ser compostas através do recurso copiar e colar somado a pitadas de mudanças feitas apenas para disfarçar. Nas escolas os professores enfrentam a questão da paternidade dos textos apresentados nos trabalhos de seus alunos: nunca foi tão fácil montar um trabalho extenso grilando idéias e até parágrafos inteiros alheios.
Editoras e algumas universidades já dispõem de sistemas capazes de comparar os textos que recebem com uma infinidade de outros reproduzidos na internet. Trata-se de meio seguro de reprimir plágios e flagrar falsos autores.
Mas o que acontecerá aos livros em papel e à literatura? Quanto aos livros parece que o fiel da balança será a mudança de hábitos verificada de uma geração para outra. De fato, é espantosa a integração entre os mais jovens e as tecnologias recentes, em especial o computador. Entre os jovens ler numa tela é algo mais que natural de modo que não será demais prever que as novas gerações venham a prescindir de textos em papel. Entretanto, o mesmo não se pode dizer da turma, digamos assim, da retaguarda. A boa e velha retaguarda não é muito dada a olhar para uma telinha cheia de letras e ainda prefere segurar os livros em papel cujo prazer do manuseio é insubstituível. Infelizmente as retaguardas envelhecem a cada dia que passa e são substituídas por outras: periga, portanto, que em alguns anos tenhamos retaguardas habituadas somente a e-books. Quando e se isso acontecer, será decretado o fim do livro em papel, com direito a enterro e missa de sétimo dia.
A literatura sobreviverá sempre, que não se tenham dívidas sobre isso. Os seres humanos são dotados de grande curiosidade e contar histórias faz parte da natureza da espécie. Se elas vão ser contadas impressas em papel ou em telinhas, se através da voz de um locutor ou de novos meios que venham a ser inventados, tanto faz. O que se pode esperar e já se verifica são novas formas de fazer literatura e de chegar ao público. Note-se que nessa afirmação não existe nenhum juízo de valor coisa, aliás, ignorada nesses tempos em que a possibilidade de publicação de qualquer texto tornou-se muito democrática através da internet.
Particularmente, vejo com muitos bons olhos toda essa revolução e sou grato por ter vivido para presenciá-la. Num país em que pessoas de talento encontram enormes dificuldades para publicar um livro e onde as editoras têm declarada preferência por obras traduzidas, a internet tornou-se um reduto no qual muita gente boa pode se expressar e, talvez, emergir fortalecendo a pálida literatura nacional.
Assim, não se trata do fim dos tempos, nada apocalíptico como esse tom de velório frequentemente utilizado para decretar o fim dos livros e a banalização da literatura. As revoluções costumam ter algo de inovador daí que dessa gigantesca montanha de coisas diariamente publicadas na internet, algo de muito bom haverá de sobrar e persistir.