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Primo Levi
Primo Levi (1919-87), químico e escritor italiano, notabilizou-se por seus livros nos quais descreve a vida de prisioneiros em campos de concentração. De origem judia Levi foi preso e levado a Auschwitz em 1944. Sobreviveu milagrosamente. Dos mais de 600 prisioneiros judeus que faziam parte da turma de Levi selecionada para trabalhar no campo sobreviveram menos de 20.
O primeiro livro de Levi sobre o assunto foi publicado em 1947, mas só anos mais tarde ganhou projeção internacional. Sob o título “É isso um homem?” Levi conduz seus leitores a um mundo inimaginável no qual os prisioneiros enfrentavam toda sorte de horrores. A cerca de arame em torno do campo de prisioneiros separava dois mundos irreconciliáveis. Dentro deixavam de existir e valer todos os valores da cultura humana. Ali arrastavam-se cadáveres vivos, sob o peso de trabalhos forçados, emagrecidos ao limite, sujos, desesperados pela fome e frio, sem horizontes. A regra do jogo era a sobreviver para isso buscando oportunidades de conseguir um pedaço de pão, o fundo de uma tigela de sopa, a internação provisória num posto para doentes, alguma troca vantajosa, roubos e mesmo a raríssima posição numa função de proeminência sobre os demais. Não eram os mais inteligentes e bem formados os que sobreviviam: os mais fortes e destemidos levavam vantagem.
As fotos que ocasionalmente vemos de prisioneiros deitados em suas macas, agrupados dois a dois em cada colchão, esqueléticos, acabados, nos dão a impressão de trabalhos de fotógrafos profissionais que criam obras de ficção. É comum que desviemos o olhar delas porque aqueles seres descarnados não devem fazer parte da civilização à qual pertencemos. De fato não pertenciam ao mundo tal como nós o imaginamos em toda parte. Separados da realidade cotidiana à qual estamos habituados constituíam-se na mais odiosa obra do regime nazista cuja intenção era a de aniquilar moral e intelectualmente suas vítimas. Essa aniquilação conduzia ao desaparecimento de sinais de civilização.
Levi nos pergunta como ficam as noções de bem e mal dentro do tétrico sistema criado pelos nazistas. Nada do que acreditamos ou conhecemos se aplica num espaço no qual cada dia representa um ato de sobrevivência e onde não existe a palavra amanhã. A morte torna-se elemento natural do cotidiano para quem pode, a qualquer momento e aleatoriamente, ser enviado à câmara de gás e crematórios.
A região onde deixa de haver limite entre o bem e o mal gera a noção de “zona cinzenta” na qual em nome da sobrevivência encontram-se até mesmo prisioneiros que colaboram com seus algozes. Cabe a eles a responsabilidade por atividades dos grupos de trabalho, selecionamento de roupas e sapatos, condução de recém chegados à câmara de gás etc. É tudo isso por mais pão, mais sopa ou um canto melhor para dormir.
Ler Primo Levi nos tira da zona de conforto, colocando-nos em contato com o lado mais sombrio da alma humana. Adverte-nos o escritor sobre o que o homem pode ser capaz de engendrar e praticar em seus delírios de dominação. Em “É isso um homem” Primo Levi denuncia as atividades macabras dentro dos campos de concentração sem deixar, entretanto, de acreditar no homem.