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Criador e criatura
A literatura é rica em casos envolvendo criador e criatura. A relação também se verifica em muitas outras situações como a de atores que interpretam personagens em séries e acabam tendo dificuldade em se livrar deles. Caso famoso é o de Sean Connery que, vida afora, fez o possível para livrar-se de 007, o agente britânico com licença para matar.
Na literatura as relações entre criador e criatura nem sempre são pacíficas. Leitores de contos e romances conhecem narrativas famosas nas quais a criatura volta-se contra o criador, sendo essa situação muito utilizada em filmes.
Felizmente, na vida real os casos de revolta da criatura contra o criador são mais raros. Isso nos permite ponderar se na ficção não existe algum exagero dos escritores em acrescentar muita tensão em situações envolvendo aquele que cria com a sua criação.
A política é pródiga em situações nas quais a herança de um político importante é transmitida a outro sob a forma de prestígio e transferência de votos. Embora nem sempre se possa falar em criador e criatura, também no setor das atividades políticas as coisas nem sempre dão certo. Nas últimas eleições, por exemplo, o senador pelo Ceará, Tasso Jereissati, considerou-se traído pelos irmãos Gomes aos quais introduziu na política; e, para ficar em poucos casos, veja-se o episódio em que Paulo Maluf investiu todo o seu prestígio político em Celso Pitta.
Acaba de ser eleita para a presidência da República aquela que pode ser considerada uma criação do atual presidente. Sem o prestígio político dele ela nem sonharia alcançar o alto cargo que virá a ocupar. Trata-se de pessoa sobre quem pouco se sabe. No geral imagina-se que o atual presidente zele pela pessoa que criou politicamente, senão que a tutele. Ocorre que a presidência da República é um cargo alto demais para que alguém que o ocupe se anule ou o exerça sob tutela. Mais que isso, é lícito supor que ninguém que se torne primeiro mandatário de um país esteja imune às benesses do cargo e o faça com o despojamento sugerido pela transitoriedade. Seria exigir demais. Dirão que tal despojamento aconteceu antes, na Argentina, quando o vitorioso Hector Campora, imediatamente renunciou ao cargo para que Juan Domingo Perón se tornasse presidente da República. Mas, nesse caso, fez-se valer a febre do peronismo, sempre em alta como recentemente se viu por ocasião da morte do ex-presidente Nestor Kichner.
O que acontecerá no Brasil só o tempo dirá. Se a presidente eleita vai ou não, ao final de seu mandato de quatro anos, renunciar ao seu direito de candidatar-se novamente só para agradecer ao homem que a promoveu, não se sabe. Se ela governará segundo as previsões do atual presidente é outra incógnita. Se a futura presidente não se deixará influenciar pelas pressões de correligionários descontentes com o atual presidente, também não se sabe.
São coisas assim que fazem a vida interessante. Quem sabe tudo venha a ocorrer dentro do previsto e acordado. Entretanto, vale lembrar aquele ensinamento de matuto desconfiado qual seja o de que não se dá carta branca a ninguém. Acrescente-se, ainda, que se a presidente eleita não se sair conforme a encomenda e adotar rota própria - o pouco que se sabe do passado dela, indica que isso possa ocorrer – também vai ser curioso, muito curioso, dir-se-ia até instigante.
Religião e política
Num país de maioria católica o mais esperado é que as crianças convivam, em família, com a prática de religião de seus parentes mais próximos. Se hoje não é assim, se já não é possível generalizar, pode-se afirmar com toda a certeza que era assim. De fato, desde cedo aprendíamos sobre a existência de Deus, ouvíamos as palavras do evangelho e éramos convidados – ou intimados – a participar dos atos litúrgicos da igreja.
Deriva do procedimento anteriormente citado a religiosidade transferida de uma geração a outra, tendo se tornado importante, no país, o crescimento do número de adeptos de outras religiões que não a católica, entre as quais se destaca a verdadeira nação de evangélicos.
Os princípios religiosos recebidos na infância são marcantes. Existem pessoas que nunca os abandonam, jamais deixando de lado as crenças que adotaram; outras mantêm intacta a fé na existência de Deus, mas deixam de lado qualquer tipo de crença; outras, ainda, abandonam a fé se que é que algum dia realmente a tiveram. A muitos desses últimos geralmente acontece romper com a religião pela adoção de ideologias contrárias às doutrinas religiosas. O fato é que a palavra fé tem entre seus sinônimos confiança absoluta mesmo em relação aquilo que não se consegue explicar racionalmente. Por essa razão acontece a pessoas intelectualizadas deixarem de ter fé, não sendo incomum que voltem a tê-la e tornem-se praticantes na velhice. Aconteceu assim a Joaquim Nabuco sobre quem o escritor Graça Aranha afirmou serem “a sociabilidade no princípio e a religiosidade no fim os polos de seu espírito”. Nada de oportunismo, portanto, de adesão de última hora, como sucede àqueles a quem se acusa de adesismo à religião após uma vida de pecados, atitude tomada apenas pelo temor de que o inferno realmente exista.
Faço essas considerações num momento em que a religião é incorporada à pauta da campanha política que elegerá o próximo presidente da República. De fato, a defesa do direito à vida pelos grupos religiosos atingiu nesses dias proporções consideráveis, obrigando os candidatos à presidência a se posicionarem em relação a esse tema e outros de natureza semelhante.
Derivam daí atitudes de políticos atuantes que têm provocado apreensão popular e críticas a partir dos meios de comunicação. Trata-se de uma espécie de adesismo de última hora à religião, no caso da candidata do PT chegando à negação pública de seus posicionamentos anteriores. De repente a necessidade de não perder votos leva a candidata ao paroxismo de assinar carta na qual promete não mudar a legislação brasileira sobre o aborto, caso venha a ser eleita. Note-se que esse posicionamento contraria a conhecida posição da candidata, aliás, confirmada em vídeo que circula no You Tube no qual ela aparece afirmando ser favorável à descriminalização do aborto. Tal atitude tem favorecido o candidato adversário por levantar questões a respeito das verdadeiras convicções da candidata e, mais que isso, sobre como agiria ela ao ocupar cargo de suma importância para o país, qual seja o da presidência da República.
Por outro lado, assiste-se à campanha do PSDB que, obviamente, explora o fato ao valorizar a vida, indicando, claramente, aos eleitores que não se deve votar em alguém de duas caras e assim por diante.
Como já afirmaram alguns analistas não falta cinismo na campanha do segundo turno. Usam-se todos os meios para conquistar o eleitorado, mormente aqueles que tocam o sentimentalismo e a crença das pessoas. Temas de grande interesse público são deixados de lado e o uso indevido do nome de Deus escandaliza.
Volto à infância, às missas nas igrejas do interior, aos sinos que badalam profundamente, como aqueles das igrejas de São João del Rei. Aliás, no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei, repousa Tancredo Neves para quem os sinos certamente tocam e tocarão.
Por quem tocarão os sinos das igrejas do Brasil no futuro, quando estiverem finalmente deitados os que hoje concorrem à presidência e aquele que agora a ocupa?
Certa vez ouvi de um senhor, em Mariana, Minas Gerais, bem ali na casa onde Alphonsus de Guimarães chorava, em versos, o toque do sino da igreja próxima a ele, que os sinos não tocam por qualquer um.
O que dirá, no futuro, a história sobre esta época de tanto cinismo e conservadorismo? Por quem tocarão os sinos?
Segundo turno
O assunto tomará conta dos noticiários nos próximos dias. Cada passo dos dois candidatos à presidência da República será acompanhado por um batalhão de repórteres. Os brasileiros terão uma segunda oportunidade de ponderar sobre os candidatos e seus programas para escolher quem governará o país nos próximos quatro anos.
Durante a campanha o presidente Lula deixou de lado a imagem de paz e amor e atacou a imprensa à qual acusou de partidarismo. Nas hostes do PT um clima de “já ganhou” acrescido da divulgação de escândalos que não puderam ser represados influíram no resultado das eleições. Cansamos de ouvir dizer da imprensa que o presidente não aceita qualquer tipo de crítica que venha a atrapalhar o seu plano sucessório.
Mas, a imprensa foi parcial? O que se viu foi a imprensa se defender acusando o governo de intenções autoritárias e propensão à censura. A preocupação pareceu justa diante de tantas acusações que, afinal, são normais na vigência de regime democrático. Não se pode negar a truculência do governo e mesmo a produção marqueteira de uma candidata que ainda não disse a que veio ou virá. Por outro lado, também não se pode negar o fato de que ao candidato do PSBD faltou clareza de intenções. A campanha de Serra mais pareceu um traçado feito para evitar melindres, como se não se quisesse atordoar o eleitor com dúvidas. Não deu certo e não foram os próprios erros do PT e a eleição já estaria decidida.
Tudo isso é bem sabido por todos, mas não custa repetir. O que não surpreendeu, mas chamou a atenção na noite de ontem, foi a incontida satisfação dos comentaristas políticos em relação ao resultado da eleição para presidente. Não se pode generalizar, mas havia um sorriso maroto no canto dos lábios dos comentaristas, espécie de desforra contra os ataques do governo à imprensa. A imagem de Dilma decepcionada ao lado de um lívido Temer foram objeto de comentários aparentemente isentos, mas carregados de sarcasmo.
Esse é o preço que se paga pelos exageros e desrespeito à inteligência dos brasileiros. Se Dilma quiser mesmo ganhar as eleições terá que se lembrar de que nem todos os brasileiros pararam seus estudos no primeiro grau e que a inteligência é algo a se respeitar. Do lado de Serra é preciso que, com urgência, mude a sua campanha e traga de volta ao primeiro plano realizações incontestes de seu partido como o Plano Real. Não há que se esconder o passado ou temer comparações. É hora de abrir o jogo, jogar o jogo como dizia o antigo técnico de futebol, Oswaldo Brandão.
Véspera de eleição
Agora que todos os pronunciamentos foram feitos e nada mais se pode dizer, resta esperar pelo veredito do povo. Cada eleitor se levantará amanhã de manhã com a obrigação de ir às urnas depositar o seu voto que terá grande peso em relação aos destinos do país.
Se o que for melhor para o país depender do nível de escolaridade dos eleitores pode-se dizer que se está diante de situação bastante complexa, senão inquietante. Veja-se, por exemplo, o caso do Ceará. Nesse estado votam cerca de 6 milhões de eleitores, sendo que o nível de escolaridade de 80% deles não ultrapassa o primeiro grau.
O Brasil é o país dos contrastes, isso já foi dito à exaustão. Não se nega ao país a vocação natural para o crescimento, fundada nos soberbos recursos naturais e prodigiosa extensão territorial. Entretanto, o crescimento e bem-estar populacional dependem dos governos, da atuação dos homens públicos do país.
Infelizmente, a classe política do país não tem se caracterizado por atuação condizente à confiança nela depositada. Embora as exceções notórias os interesses pessoais, quando não a corrupção, têm sido a marca mais visível da atuação de políticos eleitos para zelar pelos bens públicos.
No Brasil as eleições constituem-se sempre em momento de inquietação. Agora mesmo, um repórter de televisão inquiria nas ruas pessoas do povo sobre funções de políticos eleitos. O que faz um deputado? Um senador? Em geral as pessoas não sabem.
Quanto mais baixa a faixa de renda dos eleitores mais afeitos e gratos às benesses recebidas dos governos. Políticas assistencialistas, promessas de reajustes salariais e incremento do número de empregos, tudo isso rende votos o que leva governantes a tratar de seus interesses eleitorais em detrimento de medidas reais de interesse coletivo.
O Brasil vai às urnas comprometido com o seu passado de atraso que acaba refletindo nas escolhas de seu povo. Que a madrugada dos brasileiros seja longa e produtiva para que amanhã possam votar com acerto. O futuro do país depende disso.
A segurança da democracia
A democracia se assemelha a um tipo de dique, construído para evitar grandes inundações. O dique não suporta apenas as pressões costumeiras: ele está preparado para conter volumes de água maiores, preservando as regiões em que se localiza.
Nos últimos dias a estabilidade da democracia no Brasil tem chamado a atenção de muita gente. Segundo se diz a forma como o poder vem sendo exercido no Brasil ameaça o regime por ferir pilares da democracia como é o caso de ameaça à liberdade de imprensa. Surgem editoriais em jornais advertindo o próprio presidente da República e sua provável sucessora; juristas de renome assinam abaixo-assinado em defesa da democracia, acusando o governo de autoritarismo hipócrita.
De outro lado estão aqueles que veem excesso nessas manifestações. Deixando de lado a profissão de fé pelos partidos e o fanatismo das militâncias, opiniões ponderadas destacam não existir no país clima para quebra do regime democrático e retorno do autoritarismo. Destaca-se o personalismo exagerado do presidente e suas basófias; entretanto, lembram que partiu dele mesmo a negação a um terceiro mandato.
Em quem acreditar? O brasileiro que trabalha assiste a esse debate com alguma indiferença. Pessoas que já vivenciaram oscilações de regime no país sabem dos riscos, mas preferem ignorá-los. A surda movimentação de bastidores aonde a corrupção vez por outra vem à tona assusta, mas parece não ser dotada de grandeza suficiente para romper a democracia. Existe sim, o receio de que velhos extremistas, diga-se que ainda não definitivamente ultrapassados, assenhorem-se de cargos importantes e façam valer o radicalismo de seus antigos credos. Mas, será?
O Brasil parece forte. O dique parece firme. Opiniões de relevo como a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, desmistificam a possibilidade de retorno ao autoritarismo. Contrapõem a esse ponto de vista os que já apontam sinais claros de autoritarismo no modo de ser do governo atual. Aliás, não só o identificam como preveem piora do quadro no governo que há de vir.
Estamos no meio disso. Faltam-nos informações detalhadas para avaliar o mal, se é que ele existe e tem as dimensões propaladas. Vamos às urnas com alguma inconsciência sobre perigos que dizem ser iminentes.
Voto obrigatório?
Se há coisa difícil de entender são os tais meandros da lei. Para o mortal comum existe uma verdade cristalina: pessoas que têm débito com a Justiça não podem se candidatar. Ponto. Entretanto, não é assim que funcionam as coisas: é preciso discutir a constitucionalidade da Ficha Limpa; se as fases de tramitação foram obedecidas; se a lei aprovada é válida para as próximas eleições ou não; e assim por diante.
É aí que entra a figura do Supremo Tribunal Federal (STF), composto por altos magistrados, descontadas eventuais indicações guiadas por interesses políticos que talvez interfiram. Espera-se do STF decisão rápida e moralizante, mas os juízes esbarram em mil e uma dificuldades, afinal legislação é legislação e há que se obedecê-la. Então acontece um empate e a lei fica no limbo esperando algum tipo de solução. Logicamente, os candidatos que devem à Justiça vibram porque favorecidos; a imprensa se revolta e cobra ação do STF; a população dá de ombros porque “neste país” tudo é possível e ninguém já não estranha nada.
Que pensar? Certamente juristas teriam uma longa lista de prós e contras à aprovação da lei. Está em questão o Direito e não há que se tomar atitude que fira os códigos que sustentam o Estado. Tudo bem, mas seria de se perguntar: caso o assunto fosse considerado em época distante de eleições, os magistrados estariam discutindo tanto?
A política no Brasil só não chega à barbárie porque os envolvidos usam terno e gravata. Senão veja-se: o STF não consegue se decidir sobre a Ficha Limpa; O PT entra na Justiça contra a exigência dos eleitores apresentarem documentos de identidade pessoal por ocasião das eleições; um promotor quer submeter o palhaço e candidato Tiririca a um teste de leitura e escrita por desconfiar que ele é analfabeto; a imprensa publica notícias de que um cantor, candidato a senador, é habituée em espancar mulheres; o presidente da República entra em todos os lares brasileiros para garantir, aos eleitores, que o cantor merece o voto de deles.
Imprensa defendendo-se de acusações de partidarismo, escândalo monumental na Casa Civil, promessas da oposição que jamais seriam cumpridas… Por essas e outras está mais que na hora de se fazer um plebiscito no país sobre a questão do voto obrigatório. Já que existe democracia e os cidadãos têm o direito de opinar, por que não em relação à obrigação de votar?
Senhoras e senhores, inúmeras pessoas não querem votar nessa balbúrdia que lhes é apresentada diariamente. Essas pessoas irão às urnas como se fossem conduzidas ao pelourinho porque estão cansadas de tanta desfaçatez e desrespeito às suas inteligências.
O Brasil não merece isso que está aí, não. Os brasileiros também não.
Tempo seco
Humidade do ar baixa em várias regiões, ar irrespirável, incêndios em toda parte, o mês do início da primavera vai em frente com tudo. E quanto às notícias boas? Dependem de quem as recebe, boas para uns, péssimas para outros.
Veja-se a política. Para a gente do PT as notícias são mais que boas porque a candidata à presidência a cada dia soma mais pontos sobre o candidato do PSDB. É preciso lembrar que, há pouco tempo, a situação estava invertida e perguntava-se se o presidente da República conseguiria transferir o seu imenso crédito popular à candidata de sua escolha. Pois conseguiu e o fez participando ativamente da campanha dela, participação essa nunca antes vista em tal proporção por meio de um primeiro mandatário da República.
Se as pesquisas estiverem corretas e nenhum fato novo e de grande dramaticidade acontecer, a sorte das próximas eleições presidenciais não só está lançada como definida. Vence o PT e, caso novos ventos não surgirem, esse partido estará à frente do governo por mais doze anos.
Ganhe quem ganhar, a verdade é que não se tem certeza alguma sobre o comportamento futuro daqueles que serão eleitos em todos os níveis hierárquicos em disputa. No caso da presidência da República isso é muito preocupante. Basófias à parte vale dizer que o presidente Lula governou numa época de especial bonança. Nada de grave aconteceu de fato durante o seu governo. Pode ele - e seu Ministério das Relações Exteriores – arriscar políticas externas sofríveis sem que isso tivesse maior repercussão dentro e fora do país. Pode ele interferir, a seu modo, sobre quase tudo sem que isso de fato ameaçasse a estabilidade democrática. Mas, pergunta-se, como teria ele agido se submetido à pressão? Durante uma ameaça de guerra, por exemplo? Na iminência de participar ou não de um conflito como, com alguma frequência, acontece aos EUA? Caso fosse dele exigido o verdadeiro perfil de estadista?
Entendidos do ofício político costumam afirmar que há homens para tempo de paz e outros para tempos de guerra. Em outras palavras, existem dirigentes para tempos de bonança e outros para tempos ruins e traumáticos. Nos EUA o falecido senador Ted Kenedy era tido como excelente parlamentar, mas duvidava-se dele para o cargo de presidente dado que o julgavam fraco para o nível de pressão inerente ao cargo.
Felizmente o Brasil passa bem, viaja em céu de brigadeiro. Não é o caso de se dizer que basta ligar o piloto automático, mas é quase isso. Mas, como se comportaria a classe política que aí está caso graves acontecimentos acontecessem? Meu caro, o melhor é nem perguntar. Somos o país do carnaval e no carnaval viveremos, assim decretaram os deuses. Acredite!
O caminho dos votos
Não há como se evitar o horário político. Ainda que tentemos ignorá-lo, volta e meia damos de cara com pelo menos uma parte da programação dos partidos. É assim que somos contatados pelos candidatos e tomamos ciência da existência deles.
A pergunta que se faz é a seguinte: são os candidatos a cargos eletivos retrato da atual classe política do país?
Descontadas algumas presenças importantes, o horário político é um festival de horrores, mormente na parte em que se apresentam os candidatos a cargos eletivos estaduais. Pessoas que adquiriram popularidade em suas atividades fazem uso de seu destaque para arrebanhar eleitores. Jogadores de futebol, boxers, palhaços e até a Mulher Pera apresentam-se com mensagens que, no fundo, não passam de descaso à importância do cargo que assumiriam caso eleitos. O interessante é que o modo, digamos exótico, de algumas apresentações acaba caindo no gosto popular daí candidatos que em nenhum momento parecem levar suas candidaturas a sério correrem o risco de vir a ser eleitos.
Não sei como as coisas se passam em outros países, quem sabe de modo semelhante ao que entre nós acontece. É bom lembrar que em eleições anteriores os brasileiros tiveram oportunidade de manifestar, através do voto, a sua insatisfação com a classe política. As expressivas votações consagradas ao rinoceronte Cacareco e ao macaco Tião são muito ilustrativas nesse sentido.
Se prevalecer a forma de protesto que se mostrou tão eficiente no passado poderemos assistir, no pleito de outubro, à vitória de candidatos que parecem nada ter a ver com os interesses políticos do país.
Mas, que não se enganem os analistas: Mulher Pera, Tiririca, Agenor Bisteca e alguns outros são, sim, candidatos fortes e a eleição deles não será, de modo algum, surpreendente.
Começam os debates
A campanha presidencial finalmente alcança o momento em que os candidatos discutem as suas propostas de governo e se apresentam ao eleitorado através da televisão. O que se espera é um aprofundamento das ideias e plataformas de ações a serem empregadas pelos candidatos caso eleitos.
Já há algum tempo o Brasil não tem se notabilizado pelo perfil de seus homens públicos. Não se veem por aí grandes tribunos ou pessoas capazes de entusiasmar o grande público que vota. Desta vez, pode-se dizer que o grupo de candidatos à presidência deixa a desejar. Nenhum deles possui grande magnetismo pessoal que se traduza em imagens convincentes.
Entretanto, tudo isso deixa de ser importante quando o que se requer é competência. Nesse sentido o primeiro debate, transmitido ontem pela televisão, deixou a desejar. Não se viu, nas performances dos candidatos, traços diferenciais determinantes para a opção do eleitor por um ou por outro. Na verdade os candidatos parecem carregar às costas o fardo das ideologias dos partidos a que pertencem, as quais, infelizmente, não são de todo claras e nem sempre diferentes, confundindo-se em muitos aspectos.
Mas, é só um começo. A maior proximidade das eleições e os resultados das pesquisas contribuirão para acirrar os ânimos e revelar as verdadeiras tendências de cada um. É no sufoco que a razão pode ceder lugar às verdadeiras inclinações e revelar capacidades.
Ano eleitoral
Mal começa o ano e já se desenha o rumo que tomarão a imprensa e, consequentemente, as nossas atenções. Ontem os jornais destacavam a febre de inaugurações previstas tão a propósito em ano de candidaturas a cargos eletivos. Destaca-se a maratona de inaugurações já iniciadas pelos pré-candidatos à presidência da República, o governador José Serra e a ministra Dilma Roussef. Para que se tenha idéia numérica do fato, informa-se que, usando o Programa de Aceleração do Crescimento, o presidente Lula compareceu a 52 inaugurações, de 2007 até o momento. Entretanto, para 2010, estão previstas, dentro do mesmo programa, 203 inaugurações de obras com a presença do presidente e sua pré-candidata à presidência. Como se vê, trata-se de uma fantástica busca de visibilidade. Recorde-se que as próximas eleições serão realizadas no dia 3 de outubro, ou seja, dentro de nove meses ou, grosso modo, 270 dias. Isso representa que a inauguração de 203 obras em todo o país roubará ao presidente grande parte do tempo de que dispõe para governar.
O fato não é novo. Manuel Ferraz de Campos Salles foi presidente da República do Brasil no período entre 1898 a 1902. Governou contra tudo e todos referendando a política monetária liberal de seu ministro Joaquim Murtinho. Encontrou o país aos frangalhos em termos econômicos e estabeleceu acordo com os credores ingleses conhecido como “funding loan”. O governo Campos Salles foi um período de recessão absoluta visando sanear as finanças. Além disso, a Campos Salles deve-se a chamada “Política dos Governadores”, meio utilizado para dar maior poder às oligarquias estaduais obtendo, assim, sustentação ao governo federal.
Campos Salles deixou o governo com total desaprovação da população. Dera ao país dias de sofrimento e retração dos negócios com implicações profundas sobre as classes menos favorecidas. Mas, ao final, saneara as finanças e abrira caminho para que seu sucessor, Rodrigues Alves, modernizasse o Rio de Janeiro.
Em 1908, Campos Salles publicou um livro de memórias políticas intitulado “Da Propaganda à Presidência”. Embora distanciado 100 anos de nossa época e tratando de outra realidade, ainda hoje há muito a se aprender no livro de Campos Salles sobre atividade política, honestidade e história do Brasil. Um dos detalhes discutido por Campos Salles em “Da Propaganda à Presidência” é o fato da administração, nos dois anos finais de governo, ser comprometida por articulações políticas e pela necessidade do presidente fazer o seu sucessor.
Não é nova entre nós, portanto, a disposição do atual presidente da República de empenhar-se pela candidatura da ministra-chefe da Casa Civil. O que se espera é que o país não pague contas indevidas pela falta de tempo para governar e não se endivide por benesses fornecidas aos estados e prefeituras em troca de apoios eleitorais.
A edição original de “Da Propaganda à Presidência” pode ser encontrada em sebos. Existe uma edição do livro feita UNB em 1983, ainda nas livrarias. Para os interessados em Campos Salles e seu governo recomenda-se:
DEBES, Célio, Campos Salles - Perfil de um Estadista, 2 volumes, Editora Francisco Alves, 1978.
MARCONDES, Ayrton, Campos Salles - Uma investigação na República Velha, Editora Universidade Sagrado Coração, Bauru, 2001.