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E agora?
Me liga o Alessandro, inconformado com a situação pessoal. Aos 85 anos de idade segue absolutamente lúcido, convicto dos afazeres que não consegue realizar. Com voz pesarosa me fala da tontura que o impede até de sair à rua. Ainda assim há negócios a gerir coisa que custa muito ao Alessandro. Custa demais. Não que ele não queira fazer o que deve ser feito. Mas, falta a ele energia, movimento, mocidade.
Um homem preso a uma cadeira cujo pensamento viaja por muitos lugares. O mais próximo é a mesa do escritório, ali, bem perto, sobre a qual repousam pilhas de papéis naquela desorganização organizada que só a mente do proprietário consegue entender. Entre a cadeira onde se senta e a mesa são poucos passos, mas, não, instalou-se entre os dois pontos tão próximos um abismo de profundezas incomensuráveis. Ou uma cordilheira do porte dos Andes, talvez um pico das dimensões do Everest ou do Himalaia que precisa ser escalado para transpor o espaço e chegar à mesa.
Assim um homem grande e forte assiste ao transcorrer do inevitável, ao ingrato percurso que o separa do fim. Sabe ele que atingiu o pórtico de onde não se volta e inicia-se o trajeto das rotas irreversíveis.
Mas, como deixar tudo para trás se a cabeça não se entrega, a responsabilidade cobra e o homem vivo dentro do homem pragueja decido a continuar?
Converso com o Alessandro durante alguns minutos. Nada do que posso dizer a ele serve como consolo. Tento animá-lo, inutilmente. Em nenhum momento falamos em idade ou velhice. O Alessandro é um espírito jovem aprisionado dentro de um organismo de ancião e nada pode resolver para ele esse enigma. Não se tem como velho, não fala em velhice. Às vezes me diz que talvez amanhã acorde melhor, possa andar, sair à rua, correr atrás dos negócios.
Não sei quanto dura essa febre de curta esperança. O espaço entre a cadeira e a mesa de trabalho um dia deixará de existir na sala onde já não estará o Alessandro.