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Andanças

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Se você não gosta de pensar na morte não leia esse texto.

Dias atrás fui ao enterro de um amigo e confesso que o ritual do processo não me fez bem. O falecido era meu conhecido há mais de 20 anos e foi levado dessa vida mais por ser turrão que por outra coisa. Teve ele um câncer como qual veio a se preocupar tarde demais. Tinha um sangramento intestinal e passou cerca de um ano sem buscar diagnóstico para o seu mal. E mesmo depois de saber que se tratava de câncer demorou-se para iniciar o tratamento porque se desentendeu com o alcance o plano médico que pagara vida afora.

O meu amigo foi enterrado num desses cemitérios verticais, no andar mais alto. Eu o vi no último instante antes de fecharem o caixão e o introduzirem naquele lóculo de onde nunca mais se sai. E vê-lo ali, finalmente terminado, apartado do mundo, extinto, sem mais poder contar-me aquelas fabulosas aventuras que pautavam o modo de ser algo insólito dele, provocou-me um apressado sentimento de que a vida enfim acaba e a minha também um dia terminará.

Sai do cemitério pensando não propriamente sobre o fim, mas a respeito das circunstâncias do final, tal como essa coisa toda que envolve o destino do corpo. Talvez tenha raciocinado sobre isso porque nas últimas horas os familiares do meu amigo viram-se compungidos a decidir sobre onde o corpo dele seria enterrado dado que ele não se preocupara com o assunto. Era mesmo o meu amigo um tipo desses que se acredita imune à morte, ainda mais tendo ele 50 anos de idade e, segundo sua perspectiva, muita vida a correr pela frente.

Acresça-se a isso o fato de que, sinceramente, não gostei daquele tipo de cemitério no qual se condena o morto a passar a eternidade em condomínio, prédio com andares e tudo o mais. Esse não gostar justifica-se: morei em cidades menores na maior parte do tempo e me habituei aos tradicionais enterros nos túmulos com caixões cobertos por terra. Do que se depreende que para mim nem pensar no modernismo das cremações e cinzas atiradas ao mar, etc.

Meu pai viveu num lugarejo em montanha e sempre dizia não querer ser enterrado no cemitério local situado num morro íngreme. Dizia ele não querer passar a eternidade em pé, naquele morro, daí que quando morreu atendemos ao pedido dele enterrando-o numa cidade próxima, em solo sem declividade. Está lá ele, na horizontal, com minha mãe e irmãos, morando na eternidade que pediu. Era o mínimo que podíamos fazer por ele.

Mas, o que acabou me ocorrendo foi o quão difícil seria para mim a escolha do lugar para vir a ser enterrado. O fato é que acabei levando vida meio itinerante, nessas andanças tendo morado em várias cidades e, no fundo, sem me apegar a elas. Creio ter sido sempre um estrangeiro nos lugares em que vivi daí não me apetecer curtir a minha eternidade dentro de um caixão em nenhum deles.

Já no carro e de volta ao meu trabalho, senti-me desconsolado. Pareceu-me estranho que tivesse passado a minha vida até então sem criar vínculos emocionais definitivos com as cidades em que morei. Depois pensei no fato de que, afinal, que importância isso teria já que estaria mesmo morto daí diferença nenhuma fazer o lugar onde se é enterrado. Mas, não sei não…

Também pensei no apocalipse e na vinda de Jesus ao mundo no momento da ressureição dos corpos. Imaginei o meu amigo abrindo a portinhola de vidro do seu jazigo e descendo as escadas do prédio para comparecer ao juízo final. Fui capaz de imaginar muita coisa, mas não cheguei a nenhuma conclusão quanto ao meu futuro após estar morto.

Escrito por Ayrton Marcondes

19 junho, 2012 às 10:26 am

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