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E a ideologia?
Fica difícil falar-se em ideologia tão grande tem-se tornado a confusão de conceitos. Direita e esquerda, por exemplo, tornaram-se palavras ambíguas tantas as concessões a que se dão direito os que falam em nome delas. E que dizer dos radicalismos? Veja-se o caso do norueguês que matou 77 pessoas em nome da salvação da Europa, cujo discurso ofende todos os princípios. Os tempos atuais parecem desafiar os sociólogos de plantão exigindo deles a criação de novas terminologias que deem conta da multidão de oportunistas que confundem credos ou os utilizam ao sabor de suas prioridades e necessidades. Na faina de que o que importa é vencer danem-se as convicções, embaralhem-se as ideologias, afinal tudo parece valer nesse mundo onde o faz de conta vem sendo praticado e aceito com tanta naturalidade.
No fundo o que falta talvez seja mesmo convicção. Ajuda muito o desconhecimento teórico, a adoção de linhas de pensamento apreendidas de orelhada. Lemas marxistas servem a movimentos que neles se apoiam. Termos como elite e burguesia adaptam-se a variados discursos. Pura fachada, mas que fazer? E por aí vai.
No Brasil a crise de identidade política assusta porque os lemes do país passam por mãos de pessoas que não sustentam em pé o que falam sentadas. Trata-se dos discursos de ocasião dirigidos a quem na verdade não perde tempo em ouvi-los porque, no fundo, cada qual está mesmo preocupado é com a solução de seus próprios problemas.
Quem leu os jornais de ontem viu escancaradas nas primeiras páginas a foto do ex-presidente Lula ao lado de Paulo Maluf. Duas imagens de homens com significados próprios pelos quais se tornaram conhecidos, extremos distantes, representantes de ideias e métodos de ação diferentes. Não custa lembrar de que Lula aplicou no passado os piores adjetivos em relação à pessoa de Maluf que, afinal, sobrevive politicamente graças à sua invejável ousadia e, porque não dizê-lo, habilidade e inteligência. Lula, por outro lado, tem sido o paradigma de um novo tempo no país, encantando as massas que nele depositam toda a sua confiança. E eis que acontece o impossível, uma aliança de ocasião entre esses dois homens.
O acordo entre Lula e Maluf assusta-nos porque expõe o inaceitável jogo no qual os fins justificam os meios. Além disso, demonstra-nos que convicções não passam de fachada e que ideologias políticas caem por terra no momento em que o interesse maior de vitória nas urnas passa a ser prioritário.
Luiza Erundina desistiu de ser candidata à vice-prefeita na chapa do PT por não aceitar o acordo com Maluf. Ontem ela declarou que a essa altura Lula já teria o percebido “o fora que deu” ao se associar àquele a quem sempre classificou com os piores adjetivos.
Afinal, em quem acreditar?