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Fim de novelas
Disse a um amigo que as novelas têm fins semelhantes. Os tradicionais vilões são desmascarados e o bem acaba suplantando o mal. Há casos em que malandros terminam com pequenas vantagens, mas não passa disso. Isso quando no capítulo final casais que passaram por toda sorte de vicissitudes finalmente têm suas cerimônias religiosas sob a benção do padre e dos céus.
O amigo ponderou que as novelas copiam a vida. Também os casos reais terminam do mesmo jeito. No fim das contas as pessoas se ajeitam, a lei permite que as coisas andem mais ou menos nos trilhos.
Na verdade não concordo com a visão do amigo. Talvez ela fosse válida tempos atrás. Mas, hoje em dia? Acho que não. A realidade tornou-se escandalosa demais, os malfeitos são praticados à luz do dia e em níveis diferentes. Você imaginaria no passado um sujeito declarar numa CPI que devolveu 182 milhões de reais que recebera como propina em negócios escusos da Petrobrás?182 milhões! E disse isso de cara limpa, sem nenhuma vergonha, como se um “desviozinho” desses fosse a coisa mais natural do mundo.
A novela real demonstra que aqui, fora das telinhas, o mal vai vencendo o bem e de goleada. Para quem não concorda basta prestar um pouquinho mais de atenção nos noticiários. Onde as boas notícias? É só crime, desgraças, safadezas, espoliação e por aí vai.
De modo que os tais vilões das novelas precisam ter seus perfis melhorados. Hoje em dia aqueles que se dedicam a prejudicar casos amorosos, revoltados padronizados, bandidinhos etc, estão fora de compasso. Atente-se para o fato de que os vilões reais são muito mais engenhosos, mais venenosos e capazes de causar maiores estragos que os das novelas.
Talvez por isso muitas novelas tenham baixos índices de audiência. Quando a realidade supera a ficção urge repensar a trama. Aliás, que bom seria se pudéssemos melhorar um pouco a trama da realidade.
O petróleo é nosso
Monteiro Lobato (1882-1948) é conhecido pelas personagens do “Sítio do Pica-Pau amarelo” divulgadas por seus livros e programas de televisão. Entretanto, Lobato foi homem de várias facetas entre as quais destaca-se sua luta pela descoberta de petróleo no Brasil.
Em 1927 o então presidente da República, Washington Luís, enviou Lobato aos EUA para exercer a função de adido comercial. Naquele país Lobato acompanhou as atividades industriais e avanços tecnológicos convencendo-se de que o progresso local resultava de investimentos em petróleo, ferro e transportes.
De volta ao Brasil Lobato fundou a primeira empresa petrolífera do país da qual conseguiu vender em quatro dias 50% das ações. Seguiram-se anos de lutas, envolvendo a pesquisa de gás e petróleo, não havendo colaboração do governo e mesmo sabotagens e intervenções de órgãos governamentais por motivos banais. Lobato chegou a ser preso, condenado a seis meses de prisão, dos quais cumpriu três por ser indultado pelo presidente Getúlio Vargas. Depois disso desistiu da pesquisa do petróleo que passou a ser feita pelo governo.
A longa batalha de Monteiro Lobato no sentido de que o Brasil não fosse escravizado pelo petróleo estrangeiro vem à memória nesse momento em que o “ouro negro” tem valores em baixa no mercado internacional e a Petrobrás enfrenta crise sem precedentes. Ontem a presidência e a diretoria da Petrobrás finalmente deixou o comando da petroleira fato que resultou em súbita alta das ações no mercado. Espera-se em curtíssimo prazo a nomeação de novo(a) presidente e diretores que contem com a confiança pública e do mercado. Terão essas pessoas a função de verificar o rombo realizado na empresa através de atividades corruptas, estancando toda forma de desvios e favorecimentos daqui para a afrente.
Enquanto as coisas estão nesse pé, a população segue estarrecida pela enormidade dos desvios já avaliados em 88 bilhões pela própria Petrobrás com a ressalva de que pode ser mais que isso. A cada dia vem à luz novidades sobre o grande escândalo dado que os envolvidos, tentando safar-se de suas culpas, optam pela delação premiada. O mais terrível é que as confissões dos membros dessa trupe de saqueadores se confirmam, permitindo prever que novas e estarrecedoras revelações surjam nos próximos dias.
O que se espera é que a Justiça cumpra a parte dela, levando ao banco dos réus todos os envolvidos, inclusive os membros da classe política que se fazem valer de suas imunidades. É o que se exige sob o risco de que, caso a impunidade prevaleça, os riscos de desordem social se transformem em realidade.
O certo e o errado
De que o mundo mudou muito não restam dúvidas. A inversão de valores é tal que o errado vai passando por certo e fica-se em dúvida sobre o final das coisas. Veja-se o monumental escândalo da Petrobrás envolvendo valores de dimensões estratosféricas. Empreiteiras acusadas de pagar propinas se dizem vítimas de extorsão. Trata-se de caso no qual fica difícil apurar a verdade, sendo certo apenas que a corrupção no país atingiu níveis antes inimagináveis. Negócios escusos envolvendo cifras que alcançam mais de 10 bilhões de reais vêm à tona como se fossem transações “normais” dentro de negócios onde ou se paga propina ou não existem obras.
E há o caso do governo que minimiza a crise atual pintando a situação do país como no mínimo razoável. Entretanto, de repente se revela que os novos dirigentes da economia terão que se digladiar, em 20015, com um buraco de 100 bilhões, isso num orçamento previsto de pouco mais de um trilhão. Ninguém é capaz de apresentar olhar otimista em relação ao futuro próximo.
Do que se conclui que escândalos e corrupção são muito bem adubados, crescem com fermentos de primeira linha. E há quem venha a público para dizer que o brasileiro é assim mesmo, melhor: o ser humano é dado ao hábito da corrupção. Nesse caso eu e você seríamos corruptos de berço. E se não nos corrompemos ainda isso se deveu à falta de oportunidade. Teoria muito boa para creditar deslizes à natureza humana sobre a qual nada se pode fazer. Está no sangue e pronto. Pode?
Penso no mundo em que meu neto vai viver. Com pouco mais de dois anos de idade ele viverá, talvez, num mundo confuso no qual os valores em que acreditamos poderão estar ainda mais estremecidos. Existe quem daria tudo para duplicar o tempo de vida, outros 60 anos além dos 60 atuais. Não sei não. Lembro-me dos meus tios e tenho a impressão de que viviam num mundo mais simples, sem tanta correria, sem tanta confusão. Havia, sim, o perigo de uma guerra nuclear ao tempo da Guerra Fria, mas as notícias demoravam a chegar de modo que o medo era mais relativo. Hoje você ouve que, apesar das sanções, o Irã acabará construindo a bomba que tanto querem os iranianos. Não há dia em que não se tenha a impressão de que algo poderá explodir em algum lugar, fazendo grande número de vítimas. Você liga a TV e vê imagens de mexicanos protestando porque não se suporta mais a criminalidade no país. O México se levanta contra a chacina de 43 estudantes, mortos para não atrapalhar um evento promovido pela mulher de um prefeito.
Confesso a minha perplexidade diante disso tudo. Afinal, que mundo é este?