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Anatomia de um escândalo
Mantenho um blog no qual publico textos sobre assuntos que considero relevantes e/ou interessantes. Frequentemente evito a política dado o modo como ela é praticada no Brasil. Além disso, escrever sobre política é ficar num chove não molha porque fatos e descalabros se repetem e paira sobre tudo a impunidade. Zomba-se a céu aberto da inteligência dos cidadãos. Moldou-se um discurso genérico para convencimento das massas, discurso certeiro que acaba encontrando aprovação até mesmo em pessoas ilustradas. Isso se explica: a política não é só razão, ela também é paixão, quando não fanatismo e até extremismo.
Imagino como seja a atividade dos jornalistas obrigados, por ofício, a escrever diariamente sobre política. Trabalham eles com fatos novos que se sobrepõem a outros de igual teor. Trata-se de falar sempre sobre uma mesma coisa, abordar atos e opiniões de atores muito conhecidos e repetitivos, políticos que se caracterizam pela previsibilidade de suas ações e declarações. A tarefa consiste em circular num mundo de faces conhecidas, algumas realmente intoleráveis dada a desfaçatez de suas colocações. Mas, que fazer senão criticar o que é errado e divulgar abusos com a intenção de conscientizar os leitores? Não será esse o caminho para mudar as coisas?
Nos últimos dias o escândalo em pauta é o da Receita Federal. Sigilos pessoais têm sido quebrados, ao que se sabe envolvendo pessoas ligadas ao candidato do PSDB à presidência da República. Primeiro foram políticos ligados a ele, depois sua filha e agora o genro dele. Em busca de votos o candidato esperneia na televisão e acusa os adversários do PT. Isso posto, o próprio presidente da República vem a público, no horário eleitoral da sua candidata, para acusar seus opositores de preconceito contra a mulher e de falta de amor ao país.
Nem é preciso comentar o fato em profundidade. Um simples assomo de seriedade e respeito à democracia exigiria explicações, investigações, medidas imediatas e punições. Entretanto, não faz parte do jogo eleitoral insistir no assunto. O candidato do PSDB teme que seus protestos possam afugentar eleitores; o presidente defende sua candidata com apelos ao sentimentalismo.
Volto ao tema escrever sobre política. Todo mundo conhece a anatomia de escândalos como o citado. Todo mundo sabe no que vai dar. É fato patenteado que a nova ocorrência será acrescentada ao bolo de outros escândalos. A apuração? Seguirá nos moldes de sempre, eternizada, com resultados a perder de vista. Passada a eleição, desvinculados os crimes envolvendo sigilo da maratona de busca de votos, o interesse pelo assunto certamente passará a segundo plano. E continuaremos escrevendo e discutindo, tendo como pauta o Brasil dos nossos sonhos.