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Famílias numerosas
No Brasil o casamento só é permitido para quem está desembaraçado. Casar-se duas vezes ao mesmo tempo não é permitido pelo que, ao menos oficialmente, o divórcio, agora facilitado, serve como meio de acesso a novas uniões.
Por aqui as coisas funcionam de modo diferente daquelas situações das Arábias nas quais um homem mantém um harém com várias esposas. Entretanto, pode-se afirmar, sem medo de errar, que o que é oficial nem sempre corresponde à realidade observada aqui no território nacional.
Há alguns anos, em viagem de trabalho ao nordeste fui recebido por um excelente rapaz, boa prosa, que se animou em me levar para conhecer a cidade onde estávamos. Volta vai, volta vem, parou ele diante de uma casa onde conheci uma bonita moça, grávida de uns seis meses, que o rapaz me apresentou como sua mulher.
A visita foi rápida, conversamos um pouquinho e logo saímos. Depois, mais voltas pela cidade e o rapaz parou em outra casa de onde saíram para receber-nos uma mulher, grávida já próxima do período de termo, e um menino. Também ficamos ali durante alguns minutos, tempo suficiente para que eu soubesse que aquela era a mulher do rapaz e o menino o filho dele.
Quando saímos, já no carro, não pude conter a minha curiosidade e pedi ao meu guia explicação sobre o fato. Então tinha ele duas mulheres?
Quando perguntei isso o rapaz sorriu, aparentando a maior naturalidade do mundo. Eram, sim, as duas mulheres dele. Na verdade, a última que visitáramos era a com quem ele se casara oficialmente e em cuja casa passava a maior parte do tempo. A outra viera depois e agora estava também grávida de um filho dele.
Ora, diante de tal situação não me contive e quis saber se as mulheres se conheciam. Ele riu do meu espanto e disse que não só se conheciam como se sabiam grávidas do mesmo homem e saiam juntas para preparar o enxoval das crianças.
Ora, ora, ora, mundo, vasto mundo, como dizia o poeta.
Agora leio no jornal sobre o caso de duas mulheres e um homem que oficializaram, em cartório, uma união estável que já dura três anos. Trata-se de uma escritura declaratória de união poliafetiva que estabelece o regime de comunhão parcial de bens, registrando que um deles será o administrador dos bens. Com o documento os três poderão recorrer à Justiça para conseguir os benefícios típicos de um casal.
Agora só me resta concluir que o rapaz do nordeste deve mesmo ter se contido para não rir muito da minha estranheza diante da situação dele. O mundo gira, a Lusitana roda e a realidade nem de perto se parece com aquela que supomos ser a vigente nos nossos dias.