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Especulação sobre um crime
Um menino de 10 anos de idade sai da sala-de-aula. Quando retorna traz um revólver com o qual atira e acerta duas vezes a professora. Ato contínuo o menino sai da sala e dispara contra a própria cabeça. O suicídio de uma criança de 10 anos estarrece a opinião. Profissionais de várias áreas chamados a opinar advertem que não têm experiência anterior sobre fato tão inusitado e dizem que qualquer explicação não passará de puro exercício de imaginação.
Entre professores e alunos a surpresa é total. Descrevendo o menino como pessoa doce e sem problemas aparentes dizem ser inacreditável o que aconteceu. O mesmo acontece no ambiente familiar de onde o menino trouxe a arma que pertencia ao pai, um guarda.
Um crime tão incomum desperta reações de todo tipo. Para a mídia trata-se de prato cheio, aberto a toda sorte de especulações. Fala-se muito e muita bobagem sobre algo que foge aos padrões lógicos esperados na esfera criminal. O grande mistério que envolve a ação do menino fomenta discussões e repórteres se ocupam em investigar tudo o que possa se relacionar com o crime. O que têm a dizer pessoas que o conheciam? Haveria no comportamento dele algo que viesse a explicar o tresloucado ato? Como seria o meio familiar em que ele viveu? Teria o ambiente familiar alguma influência sobre o acontecido? Como um menino conseguira atirar com tanta precisão, acertando a professora e a si mesmo?
É possível preencher páginas com perguntas sobre esse estranho crime que, assim parece, jamais será explicado de vez que a verdade única sobre o fato pertence ao agente e esse morreu. Aliás, não será exagero supor que nem mesmo o menino tivesse noção exata da dimensão do ato que perpetrou.
Confesso que não consigo me desligar do assunto. Volta e meia me pego pensando no menino em seus últimos e fatais momentos. A premeditação do crime, a execução de seu plano fatal e a razão pela qual decidiu renunciar à vida tudo isso não se enquadra dentro daquilo que entendo como lógica das coisas. Em geral, quando algo muito estranho acontece, costumo apelar para a ficção na qual em geral tudo se torna possível. Trata-se de um raciocínio simplista que parte de um princípio de suposta veracidade ficcional, ou seja, de até que ponto um leitor é capaz de suportar determinado tipo de invencionice. No caso específico do crime ocorrido na escola a pergunta é: caso eu escrevesse a história de um menino de 10 anos de idade que atirou duas vezes na sua professora e depois se suicidou alguém acharia esse tipo de ficção viável?
Vejo-me obrigado a dizer que jamais escreveria uma história assim porque eu mesmo não acreditaria e duvido que alguém desse crédito a ela. Então, se não serve nem à ficção, que dizer em relação à realidade?
Aconteceu numa escola de São Caetano do Sul: um menino de 10 anos deu dois tiros na sua professora e suicidou-se em seguida. Se ele copiou inconsequentemente algum modelo ficcional que viu na televisão, se notícias de crimes praticados em escolas nos EUA fomentaram a imaginação dele, se ele tinha aos 10 anos uma precoce e profunda visão da inutilidade da vida ou se simplesmente desejava chamar a atenção de seus próximos jamais saberemos. O fato é que está morto e deixa-nos como legado o enigma de uma renúncia precoce a um mundo do qual preferiu desistir violentamente.