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Nada na memória
Num filme um casal de jovens, casados há pouco, amam-se loucamente. Até que o destino interfere na relação entre os dois. A bonita moça sofre um acidente e, ao se recuperar, não se lembra de nada. Não reconhece o marido. Ele apaixonado. Ela indiferente. Com amar a alguém que não se conhece? A trama do filme segue ao ritmo dessa insólita situação. A única chance do rapaz é a de que ela se apaixone novamente por ele. Note-se bem: não recuperar o amor de que ela se esqueceu; apaixonar-se pelo homem que acaba de conhecer.
Deslizes de memória tornam-se frequentes com a idade. Se acontecem com muita frequência pensa-se no mal de Alzheimer. Para os idosos a possibilidade de vir a ter Alzheimer é um tormento. Um amigo me liga vez ou outra para falar sobre o assunto. Está assustado com seus esquecimentos. Aos sessenta anos dirige uma empresa e receia que sua memória esteja apagando. Meses atrás estive com ele e encarei seu semblante tenso. Disse-me que apagar-se a memória é o próprio horror. Atormenta-o a perda progressiva das lembranças. A consciência de que o cérebro está se apagando é terrível. Como sobreviverá ele quando se tornar um vegetal destituído de memória? É o que me perguntou.
Entretanto, talvez o amigo esteja exagerando. Ao ouvir o papo sobre Alzheimer a mulher dele o repreende. Diz que o marido está com mania em relação ao mal. De tanto falar sobre o assunto enfiou na cabeça que tem a doença. Demais, na família dele não há nenhum caso.
O mal de Alzheimer não leva em conta riqueza, condição social etc. Ronald Reagan, ex-presidente norte-americano, teve Alzheimer. O mesmo aconteceu com os grandes atores Charlton Heston e Rita Hayworth. Mundo afora hoje em dia muita gente sofre com a demência da doença, apresentando alterações de comportamento e humor até a fase final de esquecimento total.
De tempos para cá ingressei, definitivamente, na turba dos idosos. você percebe que é realmente velho quando a dor aparece. Você vai ao médico, ele analisa os exames, as radiografias, e diz: é, a máquina desgasta.
Pois é, a tal máquina humana. A minha máquina dentro da qual vivo com minhas memórias, realizações, experiências, acertos, grandes erros etc. A máquina que foi gerada, cresceu, desenvolveu-se, amadureceu e, agora, envelheceu. A máquina que começa a dar sinais de cansaço, excesso de uso. A máquina que começou a reclamar pela dor. A máquina que se mostra no espelho com ares até então desconhecidos, a ponto de levar-me a perguntar: mas. este sou mesmo eu? Onde aquele rapaz ágil de tantas façanhas, aparentemente indestrutível? Em que espelho, no dizer da poeta, perdi a minha face?
Mas, a vida segue. Trafegando no território dos idosos a esperança é que o Alzheimer não nos alcance. A mente sadia deverá estar viva até o último momento, aquele em que o corpo capitular. Saber-se dono de si ainda quando se perdeu o comando sobre o corpo é o mínimo que a dignidade exige adiante da morte.