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Enfim, a primavera

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Não mais que subitamente o inverno bateu asas internando-se no passado e amanheceu o primeiro dia da primavera. Abri a janela do quarto e dei com um dia de sol, mas não vi sinais da nova estação. Onde as flores? Onde a alegria da primavera? Onde a esperança que sempre renasce no dia 23 de setembro? E quanto às crianças que deveriam chegar à escola, trazendo flores para brindar um bom começo de estação às professoras?

Dirão que já não se fazem primaveras como antigamente. Dirão ainda que o mundo tornou-se insosso daí vivermos em permanente inverno - uma amiga me contou que não suportou continuar vivendo na Holanda onde tudo é bom, mas o inverno muito rigoroso - um português, professor universitário em Montreal, certa vez me confidenciou suas saudades de Lisboa, da vida noturna que o frio demasiado impedia existir no Canadá.

- Os dias de inverno não são só frios, são tristes, soturnos, melancólicos e sem luz - escreveu-me um antigo colega de turma que vive na Noruega.

Mundo, mundo, vasto mundo - como cantava o poeta.

Mas, nestes 2014 a primavera chegou silenciosa demais, talvez até temerosa. Você pode não acreditar nisso, mas estações do ano têm sentimentos e na alma delas vaga fina sensibilidade capaz de perceber o vaivém das coisas no mundo. Veja-se, por exemplo, esse prolongado período de seca que já ameaça seriamente a distribuição de água em muitas cidades. Chuvas esparsas no verão, inverno sem precipitações, choverá na primavera?

A resposta: depende. Depende, sim, do que os deuses das flores encontrarem em sua vigília mundo afora. Amigo, acredite: as estações do ano são mágicas. Dentre elas a magia mais apurada pertence à primavera que não por acaso traja-se com vestidos de flores e espalha por aí finos perfumes. Mas, para que isso aconteça, para que a primavera possa vingar em sua plenitude, é preciso que ela encontre harmonia no ambiente. Cada coisa em seu lugar, poluição controlada, lixo reciclado, controle da emissão de gases tóxicos e tudo o mais necessário ao bom andamento da estação.

Dito isso, que não se estranhe o atual acanhamento da primavera. Ela chegou sem rompantes, sem suas cores vívidas, sem o ruído festivo que a acompanhava em outros tempos. Para quem não sabe isso aconteceu porque de anos para cá a primavera vem se mostrando cansada do desrespeito dos homens. Moça gentil que é ela parece não suportar tanta agressividade, tanto destempero, tanta falta de cuidados com os fatores que lhe permitem ser a nossa sempre benvinda primavera.

Mas, o que mais importa é que já estamos em plena primavera, tempo em que é possível sonhar alto e celebrar o início de um período que queremos feliz para os todos os homens.

Outono

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Do pinheiro altíssimo caem folhas, por vezes até ramos pequenos que cobrem o solo cimentado. Há 30 anos encontrei um pinheirinho jovem na beira da estrada onde caminhava. Condoí-me dele, da morte prematura que o aguardava ali, na beira do asfalto. Peguei-o com o cuidado com que se segura um recém-nascido e levei-o para casa.

Plantei o pinheirinho e cuidei dele para que o frio do inverno não o matasse. Regava-o com água e cheguei a colocar na terra um pouco de fertilizante numa ocasião em que ele parecia já não ter forças para resistir.

Mas, o pinheirinho sobreviveu. Cresceu, ganhou corpo, engrossando o caule até tornar-se essa árvore majestosa que fica defronte à minha casa. Fez mais: de suas sementes apareceram à meia distância os outros pinheiros que hoje se distribuem numa fila ordenada. Às vezes penso no olhar do primeiro pinheiro - aquele que plantei - sobre os outros, seus filhos. Ele é o chefe da família, ocupa posição de destaque, é maior que os outros. Às vezes me parece que o meu pinheiro é orgulhoso por ter cumprido à perfeição o papel dele na natureza. Nem poderia ser de outro modo em se tratando dele, altaneiro e fortíssimo como se tornou.

Acontece que o meu pinheiro cresceu na encosta de um pequeno morro e suas raízes estenderam-se até a casa. Não terá sido essa a primeira vez em que tive que refazer a calçada arrebentada pela força de raízes dele que se propagam para todo lado. Mas, faço isso com gosto: dá-me alegria saber que o meu pinheiro está forte e continua crescendo, quem sabe um dia ele alcance as nuvens ou toque o céu.

Entretanto, de tempos para cá o meu pinheiro começou a incomodar. Tempos atrás apareceu em casa um fiscal da prefeitura para me dizer que talvez fosse necessário cortar o pinheiro dado o risco de ele cair e arrebentar tudo o que encontrasse pela frente. Um funcionário da companhia de luz também veio para alertar-me sobre os riscos do pinheiros atingir a fiação elétrica e destruí-la. Finalmente, o meu vizinho veio me visitar, inesperadamente, e falou sobre as mudanças ambientais e ventos fortes que antes não chegavam à nossa rua. Com muito jeito perguntou-me se não seria melhor cortar o pinheiro que poderia até cair sobre a minha própria casa.

Eu não disse a nenhuma dessas pessoas que o pinheiro na verdade é um filho a quem amo muito. Cuidei dele na infância e ele tem presenciado os altos e baixos que tenho experimentado ao longo da vida. Ele é não só um amigo, como confidente ao quem revelo os meus mais íntimos segredos nos momentos em que me parece que nenhum ser humano seria bastante para compreender as minhas aflições. Por essa razão resistirei até a morte a todas as tentativas de cortarem o meu pinheiro.

Considero que a vida do meu pinheiro está ligada à minha indissoluvelmente. Faz ele parte do pouco de bom que fiz nesse mundo e quero deixá-lo ali como testemunho da minha passagem por aqui quando morrer. Por isso alegra-me tanto vê-lo a perder suas folhas neste outono, preparando-se para o inverno que está por chegar. Passaremos juntos o inverno e na primavera, ah, como ele se enfeitará e ficará belo, alegrando as minhas manhãs de sol.

Escrito por Ayrton Marcondes

12 maio, 2014 às 11:59 am

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Primavera

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Começou, na madrugada, a primavera. Acordei, às três horas da manhã, despertado pelo ruído de fortes ventos. Abri os olhos no escuro e me lembrei dos versos de Alberto Caieiro:

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Depois me vieram imagens de flores, aquelas que tínhamos nos canteiros do fundo do quintal.  Da velha roseira que minha mãe cuidava como a um filho, que restou? Nem a roseira, nem minha mãe, nem as vozes da gente daquele tempo, as pessoas tão altas e graves que eu via de baixo, do meu patamar de menino.

A realidade não precisa de ninguém para continuar acontecendo. Talvez por isso o primeiro noticiário ignorasse a magia da manhã e relatasse a morte de quinze pessoas em dois acidentes nas estradas. Morreram antes da nova manhã, não viram o início da primavera, mas ela começou, imperiosa, sem eles.

Houve um tempo, nas aldeias do Brasil, em que os sinos badalavam forte, anunciando a estação das flores. Então havia mais alegria, menos sofrimento e a dor tinha recato, não se expondo tanto como hoje. Ventava, sim, nas madrugadas, mas as pessoas não se incomodavam porque tinham histórias a contar, sentadas na cozinha, em torno do bule com café. Mas, os tempos são outros. Um amigo me disse, ainda nesta mesma semana, que os contadores de histórias estão desaparecendo. Já quase não existem cozinhas com fogões de lenha, gente perdida nas madrugadas contando histórias, amplos quintais com roseiras e velhinhas cuidando de flores. O mundo mudou.

A primavera começa num dia claro, sem alarde. Ninguém passa pela minha porta carregando flores, festejando o início da nova estação. Só na minha memória a realidade desfeita persiste, mundo colorido no qual minha mãe está debruçada sobre um canteiro e pessoas correm, felizes, num infinito campo de flores.

A chegada do outono

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O outono chegou ontem às 14 horas e 32 minutos. Não fez barulho, não causou reviravolta no tempo, mais parecia cumprir uma determinação como bom funcionário da natureza.

Eu que sabia da chegada dele resolvi esperá-lo: bem perto da hora marcada fui à janela e mirei o horizonte, aguardando um sinal. Nada. De repente eu soube que já era outono, um outono velho e cansado, sem novidades, talvez desiludido deste mundo confuso. Quem sabe preferiria ele iniciar-se como nova estação em Marte ou outro planeta, não mais aqui.

Poucos minutos depois da chegada do outono desci e fui à padaria. A mocinha que vende pães estava em seu lugar de sempre, com aquele sorriso chocho pregado nos lábios. Puxei conversa e disse a ela:

- Já entramos no outono.

O sorriso não se alterou e ouvi por entre os lábios dela o comentário lacônico:

- É…

Voltei à casa inconformado e com vontade de gritar:

- Já é outono!

A minha decepção com a chegada do outono tem a sua razão de ser. Nascido e vivido em zona agrícola sempre soube da importância das estações do ano e datas específicas para plantio de diferentes gêneros. Ainda existem por aí – não sei – as “Folhinhas” que eram entregues aos clientes nas farmácias nas quais existiam milhares de informações úteis relacionadas às estações do ano. Elas consistiam em preciosos guias, indicando feriados, dias-santos, época de culturas de hortaliças etc. Ai do farmacêutico que não reservasse exemplares para os seus bons clientes: corria o risco de perdê-los.

O outono chegou de mansinho e esperou até a madrugada para se manifestar. Durante a noite ouvi uns ventos estranhos e tive a impressão de que chovia. Hoje de manhã, ao sair de casa, notei que as ruas estavam cheias de folhas caídas das árvores. Era, finalmente, o outono a dar o ar de sua graça.

Encontrando-me com um vizinho, o dentista, apontei as folhas no chão e disse a ele:

- Estamos no outono.

Ele me disse que sim, deu um tapinha no meu ombro e foi-se embora com ares de quem tem mais coisas a fazer.