Fatalidades at Blog Ayrton Marcondes

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Fatalidade

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A palavra fatalidade nos remete a uma circunstância infeliz, ligada ao destino. Nunca me esqueci do homem que chegou ao sítio onde morava, apeou-se do cavalo e foi abrir a porteira. Ao colocar a mão no arame da tranca foi surpreendido pela descarga elétrica de um raio. O raio caíra a certa distância e a energia percorrera o arame da cerca até chegar àquele que se tornaria a vítima fatal. Dirão que foi acaso, nada de fatalidade. Entretanto, o homem em questão perdera, no passado, um irmão. Causa? Bem o rapaz fora atingido por um raio. Seria, talvez o destino do irmão, eis aí o fato que gerou comentários sobre a fatalidade. Dois irmãos ligados pela mesma fatalidade.

Por falar em raios há pouco aconteceu algo incomum. Uma mulher e sua filha foram atingidas por um raio. Morreram as duas. Mas, era justamente um dia de muito sol, nenhuma nuvem no céu. Especialistas explicaram que raios podem correr paralelamente do local onde foram gerados e cair a longa distância.

Morreu Rafael Hansen. Quem? Ora, o Rafael Hansen. O homem tornou-se famoso por se um dos poucos sobreviventes no terrível acidente aéreo no qual pereceram os jogadores da Chapecoense. A morte de jogadores e outras pessoas que estavam no avião comoveu o país e teve grande repercussão no exterior. Faleceram 71 pessoas, havendo sete sobreviventes, um deles, o jornalista Hansen, que acompanhava o time de Chapecó.

Mas, Hansen escapou. O acidente ocorreu em 2016. Estamos em 2019, decorrem-se três anos. Eis que Hansen, 45 anos de idade, jogava futebol quando sofreu infarto. De nada adiantaram tentativas para salvá-lo. O coração parou de vez.

Estava na sala de espera de um consultório médico quando ouvimos a notícia pela TV. Então uma senhora disse: da morte não se escapa, ela vem buscar. O Hansen fugiu da morte no acidente, mas estava marcado. Marcado pela morte.

As pessoas que aguardavam consulta menearam a cabeça em aprovação ao comentário da senhora. Um senhor falou em fatalidade. Um rapaz disse que, na verdade, Hansen morrera mesmo por ocasião do acidente aéreo.

Eu ia dizer que uma coisa nada tem a ver com a outra. Fatalidades acontecem e é só. Mas, me calei. Afinal, quem sabe o que se passa na outra dimensão, caso ela exista?

Armas de fogo

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Meu pai tinha um revólver Smith-Wesson que herdou de meu avô. Vez ou outra se referia a essa arma que nunca chegou a usar. Ela tinha o significado de segurança de nossa família. Guardada numa gaveta repousava sempre pronta a entrar em ação caso fosse necessário. Mas, naquela época o mundo era mais tranquilo, a vida mais suave. Crimes aconteciam, mas não muitos. Se você lesse a Última Hora, jornal do Samuel Wainer, poderia ficar horrorizado com o noticiário sobre as violências de véspera. Diziam que se o jornal do Wainer fosse espremido sairia sangue…

Mas essas notícias soavam distantes. Na prática os assassinatos em cidades menores eram mais raros. Tanto que, quando aconteciam, geravam comentários generalizados. Usavam-se armas de fogo com parcimônia. Assim se passavam as coisas.

De modo que para quem carrega mais anos de vida em seu currículo as atuais mensagens divulgadas soam estranhas, senão incompreensíveis. Dias atrás 19 pessoas foram assassinadas em Osasco e Barueri. Outras 9 foram feridas. Banalizou-se o uso de armas de fogo e olhe que são proibidas. Novos tempos!

Já vão longe os dias em que armas de fogo permaneciam entre os guardados dos chefes de família à espera de um improvável momento de ação. Hoje moleques de 12 anos ou mais andam por aí armados e tiram vidas sem a menor cerimônia.

Há quem atribua mortes violentas a fatalidades. O sujeito estaria em lugar errado na hora errada. Creio que meu pai acreditava em destino e fatalidade. Acidentes não aconteceriam por acaso, estariam escritos na trajetória do acidentado. Aquele rapaz que passara pela nossa casa em direção a uma festa e que voltara morto após a cair da carroceira de um caminhão cumprira o que estaria previsto para ele. Nada mais.

Meu pai contava sobre conhecido dele que integrara as tropas brasileiras que lutaram na Itália no fim dafimbradounga Guerra. Terminado o conflito o soldado retornara à terra natal, trazendo consigo o trauma de vir a ser atingido por projétil de arma de fogo. Ora, isso seria impossível naquele final da década de 40 do século passado: cidade pacata na qual ninguém andava armado.

Aconteceu num domingo. O soldado que participara da guerra voltava da missa com a mulher. Ao passar defronte a casa de seu vizinho foi atingido por um tiro e morreu ainda na calçada. Naquele momento o vizinho limpava o revólver que dispara acidentalmente. A bala da qual o rapaz escapara na Itália viera encontrá-lo na cidadezinha onde vivia.

Fatalidade. Estava escrito.

Fatalidades

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Elas acontecem. Inesperadamente.  O cidadão está dirigindo seu carro numa rua da capital. Chove torrencialmente. Trovões, raios, ventania. Tanto vento que uma enorme árvore cai sobre o carro e mata o motorista. Ele estava dentro do carro, dirigindo, naquela rua, passando sob a árvore no exato instante em que ela caiu. A árvore estava ali, firme, altaneira há décadas. Despencou naquele dia. Ele morreu. Fatalidade.

Estar no lugar errado, na hora errada, parece ser o código de startup das fatalidades. Há sempre o ingrediente do inesperado. Vidas são ceifadas assim, misteriosamente. Fatalidades são mais que acidentes: trata-se de acidentes que parecem programados com algo a mais, como se um diretor montasse cuidadosamente a cena para filmá-la no exato instante da ocorrência.

Fatalidades impressionam, chamam a atenção.  Na Baixada Santista existe a ponte do Mar Pequeno que consiste de dois conjuntos de pistas para o vai-e-vem dos carros. Entre os dois conjuntos, protegidos por guard rails há um vão sob o qual está o mar. Ontem duas motocicletas se chocaram na ponte. Um dos motociclistas foi jogado de sua moto e eu corpo lançado justamente no vão entre os conjuntos de pistas. Caindo no mar o motociclista desapareceu e até agora seu corpo não foi localizado. Houve um acidente acompanhado de fatalidade.

De meu tempos de menino me lembro de uma jardineira que circulava pelas estradas de terra entre cidadezinhas do interior. Certo dia estava na jardineira um rapaz, trabalhador da roça, para quem a viagem figurava-se como excursão de reconhecimento de um mundo distante. Tão distraído ia, metendo a cabeça para fora da janela a fim de observar tudo, que não reparou num poste de rua. Assim, a cabeça colidiu com o poste sendo quase toda arrancada do corpo. Aconteceu defronte à minha casa. Alguém começou a gritar: fatalidade.

Cheguei a ver o corpo do rapaz sem cabeça, cena que me aterrorizou durante muito tempo. Fragmentos do cérebro dele espalhavam-se na rua causando péssima impressão.

Havia um poste no caminho da alegria do rapaz.

Ninguém está a salvo de fatalidades.