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O ano do apagão
Você se lembra dos principais acontecimentos de 2012? Provavelmente a primeira coisa que lhe ocorra é a tal história de que ocorreria o fim do mundo. Pois de 2014 será muito difícil de esquecer. Este foi o ano do apagão. Foi o ano em queo Brasil se encheu de orgulho para a realização às Copa do Mundo. Foi o ano da catástrofe. Os mais expressivos momentos da vida do homem brasileiro relacionam-se ao futebol. A Copa de 1950 sempre será um entrave na garganta dos brasileiros, coisa impossível de engolir. Ah, não adianta dizer que as novas gerações não viram o jogo: trata-se do futebol brasileiro, paixão nacional, que ao longo do tempo é um só. É isso.
Pois 1950 está umbelicalmente ligado a 2014. Anos de tragédias inesquecíveis. Verdade que em 50 a moçada de chuteiras fez o que pode. Se o time de Obdulio Varela venceu não se pode dizer que faltou raça aos nacionais. De Barbosa a Chico todos lutaram. Infelizmente o mesmo não se pode dizer da moçada de 14. Meu Deus! E eles estavam vestindo o uniforme da seleção nacional. Tremeram. Negaram a raça. Envergonharam o país sem mostrar a própria vergonha. Profissionais a soldo, sem amor, diga-se.
Mas, não foi só dentro das quatro linhas que houve apagão. De repente escancararam-se as vísceras da corrupção. O Mensalão levou gente importante para trás das grades. Respirava-se com o alívio da moral restabelecida quando estourou o escândalo da Petrobrás. Então a nossa maior empresa, o orgulho da nação, simplesmente sucateada? Como? Difícil acreditar, mais um apagão goela abaixo. Milhões e milhões nas mãos de um bando de safados enquanto o país à deriva mal se recompõe, sinalizando futuro incerto.
Nem é preciso lembrar da criminalidade, da falta de água, da desigualdade social, dos impostos, de todo o resto. Este 2014 é um ano para ser esquecido. Se daqui a alguns anos perguntarem a você se está lembrado de 2015 o melhor talvez seja responder que justamente foi o ano em que você esteve fora, participando de alguma excursão espacial, por isso não se lembra de nada.
Adeus 2014. Não deixa saudades.
Pelé, 70 anos
De vez em quando me ponho a pensar sobre os fatos mais marcantes acontecidos durante o período de minha vida. Um dos primeiros foi o assassinato de John Kennedy, na época em que eu iniciava aquele que então era chamado de curso ginasial. Lembro-me de que fomos dispensados das aulas e saímos da escola com a ideia de que algo muito grande tinha acontecido. Para nós era como se o mundo fosse acabar dado que não fazíamos a menor ideia da proporção, nem mesmo dos reflexos que poderia ter a morte de Kennedy sobre as nossas vidas.
Ainda hoje acho que o impacto sobre nós do assassinato ocorrido em Dallas prende-se mais à gravidade das palavras do diretor da escola quando ele nos comunicou que o mundo corria perigo. Era uma tarde fria e o ginásio estadual em que estudávamos ficava no alto de uma elevação à qual se chegava por ruas íngremes. Suspensas as aulas, descemos por aquelas ruas, uma turba de alunos em silêncio, avisados sobre um acontecimento muito grave e esperando, talvez, pelo pior que poderia acontecer ao mundo.
Outro fato muito marcante ocorreu antes da morte de Kennedy: foi a conquista do Campeonato Mundial, realizado na Suécia, pelo Brasil. Menino, eu ouvia dos meus parentes mais velhos inúmeras histórias sobre o futebol que sempre terminavam com comentários sobre a Copa de 50 quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai em pleno Maracanã. Um primo de meu pai, o Vicente, assistiu ao jogo no estádio, e contava inúmeras histórias sobre o episódio fatídico. Nomes como os de Obdulio Varela Gigghia , carrascos dos brasileiros na vitória uruguaia, eram moeda comum em todas as conversas. Falava-se sobre a desastrosa atuação de Bigode, se o goleiro Barbosa poderia ter evitado o segundo gol uruguaio, a cabeçada de Ademir que bateu na trave uruguaia no último minuto, o erro do técnico Flávio Costa que preferiu levar um parente dele, o Chico, para jogar na ponta-esquerda da seleção, e assim por diante. A essas histórias se juntavam as da Copa de 54 quando o Brasil foi derrotado pelo excepcional selecionado da Hungria, aquele em que jogava Puskas, que no final das contas perdeu a Copa para a Alemanha. Nomes como os de Castilho, Bauer e Humberto, jogadores da seleção de 54, eram sempre citados.
Por fim veio 58, o ano da redenção do futebol brasileiro. Entre outros significados a Copa de 58 serviu para ajudar a vencer, pelo menos em parte, o complexo de inferioridade terceiro-mundista do povo brasileiro. Ganháramos, éramos melhores que os outros em alguma coisa e o país estava indo para frente. Mas, 58 foi também o ano em que Pelé nasceu para o Brasil e para o mundo. De repente, um garoto de 18 anos de idade, sem a menor cerimônia, estraçalhava com os ferrolhos europeus e mostrava que o Brasil tem gente capaz. Os jogos transmitidos pelo rádio pela voz de Pedro Luís e Edson Leite gravaram-se nas memórias como documento e testemunho de uma época em que, inesperadamente, um povo sofrido tornou-se feliz.
Falando sobre fatos marcantes que muito me impressionaram, devo dizer que tive a sorte de viver na época em Pelé jogou futebol. Muitas vezes eu o vi jogar no Pacaembu que, na época, era muito utilizado pelo time dele, o Santos. Seria impossível traduzir em palavras as maravilhas que saíram dos pés de Pelé, certamente um agraciado dos deuses. Note-se que quando se fala de Pelé, no futebol, em geral destacam-se os seus gols, jogadas brilhantes e mesmo exaltam-se os seus dotes físicos invejáveis, certamente propulsores de toda a magia de que ele era capaz. De todo modo era isso e mais que isso porque vê-lo em campo, sua colocação e inteligência nata para o esporte, as previsões de jogadas, enfim o que fazia mesmo quando não estava com a bola, era simplesmente demais.
Ter visto Pelé jogar terá sido um dos prêmios que recebi e levarei desse mundo. Ter sentido a emoção de vê-lo no momento de suas realizações em campo é dessas coisas que não tem preço, fantásticas e insubstituíveis.
Pelé completa 70 anos de idade e recebe homenagens, mais que merecidas, em todo o mundo. Creio não ser demais dizer, em meu nome e da minha geração, muito obrigado Pelé. Você nos deu muita alegria, fez-nos acreditar que tudo é possível. No mais é fechar os olhos e retornar a uma noite de quarta-feira, Pacaembu lotado, e rever Pelé pegar uma bola no meio do campo, avançar driblando, até chegar perto do gol e colocar a bola nas redes. Depois, enquanto o Deus comemora, toda a torcida fica em pé, mesmo a do time adversário, batendo palmas, essas palmas que nunca sairão da minha cabeça, porque magia é para sempre.