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Fotografia digital

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Num ensaio sobre a fotografia Roland Barthes fala sobre sua impressão diante d uma foto de Jerônimo, o irmão mais novo de Napoleão. Diz ele ter pensado: estou vendo os olhos que viram o imperador.

Barthes enfatiza que a fotografia retrata a morte. Trata-se da fixação de um momento que nunca mais se repetirá cujo significado depende do motivo fotografado. Mas, ao tempo em que escreveu Barthes não conhecia a fotografia digital. Era a época em que os filmes permitiam no máximo 36 fotos e o fotógrafo via-se obrigado a pensar se valia ou não a pena clicar.

A fotografia digital tem a vantagem de tornar praticamente ilimitado o número de fotos a serem tiradas. Memórias eletrônicas de muitos mega permitem o armazenamento de quantidades fantásticas de fotos. Barthes dizia que não tirava fotos porque gostava de ver imediatamente o resultado do que fazia e as fotos demoravam a ser reveladas. Para quem não está habituado ao processo antigo, você fotografava, esperava chegar ao fim do filme, procurava um ambiente escuro para retirar o filme da máquina e, depois, o levava a um laboratório para a revelação. Em geral o processo de revelação demorava pelo menos dois dias, só tendo sido abreviado quando surgiram máquinas de revelação automática. Ao tempo de Barthes a única opção para ter fotos na hora eram as máquinas polaroides cujo resultado fotográfico em geral deixava a desejar.

Por todas as razões citadas as máquinas digitais surgem como ferramentas muito úteis para os fotógrafos amadores que têm nelas meio simples de uso e diversão certa. Entretanto, as novas máquinas fizeram com que o mundo fosse inundado por montanhas de fotografias que podem ser vistas nas telas de computadores sem que haja necessidade de revelá-las. O problema é que com tantas fotos torna-se inevitável a banalização da fotografia. Veja-se, por exemplo, o quanto somos induzidos a observar, praticamente em tempo real, os milhares de fotos publicadas diariamente na internet. Um protesto no Egito, a nudez de mulheres protestando nas ruas, um fim de tarde no Alasca, um combate na Síria, o pronunciamento de um político na ONU, tudo isso é retratado e distribuído ao mundo em poucos segundos de modo que, queiramos ou não, há sempre um olho vigiando as pessoas e devassando a intimidade delas. E que dizer dos pobres recém-nascidos que são fotografados à exaustão? Um simples banho de uma criança de poucos meses torna-se motivo para 20, 30 ou mais fotos.  Que impressão terão, quando adultas, essas crianças que hoje estão sendo fotografadas a cada instante?

Meu avô paterno nasceu no final do século XIX e morreu antes que eu nascesse. Só tenho ideia da aparência dele através de uma única foto tirada já no tempo em que estava em progresso a doença que o mataria. Da minha infância tenho não mais que umas cinco fotos, tiradas com intervalos de anos. Fotografia era coisa difícil, cara, pouca gente dispunha de máquinas fotográficas.  A tecnologia mudou esse quadro e hoje em dia em cada casa existe alguém com uma máquina ou telefone capaz de fotografar e filmar.

Não aprecio o número exagerado de fotografias hoje disponível, mas sinto falta de fotos de pessoas a quem conheci e já desapareceram. Vez por outra me lembro de alguém e nem sempre consigo formar na memória imagem exata do aspecto dessa pessoa. Fico, portanto, no meio termo em relação ao número de fotos, embora considere exagero o que acontece hoje em dia com tanta gente tirando fotos de tudo o que encontra pela frente.

Fotos antigas

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Elas estão dentro de um envelope, numa gaveta esperando por você. Com o tempo tornaram-se amareladas, muitas delas um tanto apagadas. Mas as pessoas estão lá. Aqui um avô flagrado para sempre num sorriso que se eternizou numa última memória; ali uma tia que foi morar longe e veio em visita aos parentes, ocasião em que foi fotografada. Na seguinte você mesmo, mais novo, cheio de vida e esperanças, sugerindo que o futuro que só agora você conhece não precisaria, necessariamente, ter sido como foi.

Fotos de pessoas, casas, ruas inteiras, imagens sobrepostas por outras mais novas, recentes. É assim que épocas desaparecem, amarelando-se, apagando-se, deixando de existir, cedendo lugar ao novo que um dia também desaparecerá.

Aí está a Av. Paulista com suas árvores frondosas, talvez numa tarde morna na qual tudo o que se pode ver é uma carroça preguiçosamente puxada por um burro. No entorno, ricos palacetes, dentro deles gente orgulhosa de estar ali num tempo de dinheiros em alta pelos bons negócios das fazendas de café. Tudo isso continua vivo nas páginas de um álbum de fotografias antigas, testemunho de uma época aprisionada entre as capas duras com as quais um editor houve por bem delimitar as margens do passado.

As velhas fotografias são passaporte seguro para o passado. Elas permitem a você reencontrar pessoas queridas, muitas delas há tempos esquecidas. É como se caminhar numa rua cuja paisagem de repente se transforma e o colorido converte-se em preto-e-branco. Você percebe que entrou em outra realidade, mundo virtual e refeito, no qual pode dialogar com os mortos. Tudo isso ao alcance da imaginação despertada pelo contato visual com fotos impressas em papel.

Mas fotos antigas também servem para trazer lembranças indesejáveis. Lembrei-me disso ao saber da morte de Edward Kennedy dias atrás. As exéquias do senador norte-americano realizaram-se com toda pompa e circunstâncias devidas a um grande homem público que se destacou pela sua combatividade. Ele representava, na opinião de analistas, a alma do Partido Democrata e converteu-se, ao longo dos anos, num esteio moral do mesmo partido.

Entretanto, tinha o senador em seu passado uma mácula devida ao famoso acidente em que faleceu uma ex-secretária. Ted Kennedy dirigia o carro. Pois na maioria das notas sobre a morte do senador liam-se referências ao acidente, ainda que para demonstrar como alguém que cometeu algo errado pode superar-se. Nem no momento de sua morte Edward Kennedy livrou-se do estigma de ter abandonado a ex-secretaria Mary Jo Kopechne à própria sorte no interior do rio onde caiu o carro.

Na época de sua ocorrência o acidente de  rendeu material abundante aos fotógrafos de jornais que flagraram a retirada do carro do rio e o resgate do corpo da vítima. Todas as fotos estão disponíveis na internet funcionando como memória permanente  de um fato que maculou a trajetória do senador agora morto.

Escrito por Ayrton Marcondes

31 agosto, 2009 às 4:05 pm

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