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Mortes no trabalho
Leio na biografia que Sartre escreveu sobre Charles Baudelaire que para o poeta francês a possibilidade do suicídio era um meio de se manter vivo. Em outras palavras, há quem trabalhe mentalmente com a hipótese de dar fim à vida e encerrar tudo num momento de sua escolha. Essa possibilidade confere força a essas pessoas para suportar situações desconfortáveis dado que contam com a variante de largar tudo e morrer.
Creio que na maioria desses casos o suicídio não se consume. Entretanto, para os verdadeiros suicidas, a morte pode vir a acontecer desde que eles sejam submetidos a situações intoleráveis. Isso é o que nos sugere a impressionante marca de 23 suicídios de funcionários da empresa France Telecom, em 2008. A esse número somam-se outros suicídios como o de uma empregada que há poucos dias atirou-se através de uma das janelas da empresa. Outro suicídio quase aconteceu durante uma reunião da empresa numa cidade próxima a Paris. Um dos técnicos estava sob pressão por saber que o seu posto seria suprimido. Durante a reunião o homem de 50 anos de idade foi avisado de que seu cargo não mais existia e reagiu dizendo que não aceitava a nova condição. Em seguida sacou um objeto perfurante e o cravou no próprio estômago, ferindo-se gravemente.
Obviamente a France Telecom nega que os suicídios tenham algo a ver com as mudanças de gestão da empresa atribuindo-os a estados depressivos, divórcios, dívidas e outros motivos de natureza pessoal. Entretanto, segundo os sindicatos, é o atual modo de gerir a empresa a causa das tragédias que infelizmente continuam a acontecer. Como exemplo cita-se o recente caso de um homem de 53 anos que dirigia o comitê de segurança e higiene da empresa. Esse funcionário se matou após várias discussões com os seus superiores.
Para os entendidos parece não haver dúvidas de que a mudança do tipo de gestão da France Telecom é a causa do elevado número de suicídios. Obviamente a insegurança gerada por mudanças administrativas age seletivamente sobre temperamentos mais suscetíveis à idéia de colocar fim à própria vida. O desespero e a impossibilidade de alterar o rumo das coisas afetam progressivamente pessoas que sucumbem às pressões e acabam se matando.
O que nos chama a atenção em casos como esse é a frieza com que são tratados, sendo encarados profissionalmente como acidentes de percurso. Linhas de ação empresariais devem ser mudadas em atenção às exigências de mercado e necessidades de clientes e cabe aos trabalhadores adaptarem-se às condições imperantes. Existe sempre um motivo maior e geralmente irracional por detrás de alterações que causam profundas crises nos projetos pessoais levando os implicados a atitudes extremas.
Os suicídios acontecidos na grande empresa francesa são um alerta nesses tempos globalizados em que muitas empresas adotam modelos de gestão importados e nem sempre adequados ao modo de ser dos trabalhadores brasileiros.
Mudanças de gestão de empresas ocorrem por vários motivos. Entre eles são comuns situações de venda de empresas a novos proprietários que professam linhas diferentes de gestão. Quando isso acontece, a força de trabalho empregada experimenta variações funcionais e salariais, quando não situações de desemprego. É a partir daí que projetos de vida são afetados não sendo incomum que pessoas, movidas desespero, tomem atitudes limítrofes com risco da própria vida.