Arquivo para ‘futebol brasileiro’ tag
Paulo Valentim
Paulinho Valentim
Estão falando sobre Paulinho Valentim. Um jornalista descobriu, morando em Buenos Aires, a mulher do Paulinho, a Hilda Furacão. Hilda tornou-se conhecida graças a uma série da TV Globo. Na vida real Hilda foi uma prostituta que atuava em Belo Horizonte onde ganhou fama. Depois conheceu Valentim e acabou casando-se com ele.
Paulinho Valentim foi um soberbo centroavante. Jogava no Atlético de Minas de onde foi transferido para o Botafogo do Rio, justamente por causa de seu relacionamento com Hilda que incomodava os mineiros. Também jogou na Argentina onde até hoje é ídolo do Boca Juniors. Andou pelo mundo com a sua Hilda e morreu esquecido e pobre.
Para mim Paulinho Valentim é muito mais que um nome do futebol do passado. Paulinho Valetim é aquele cara brigando no braço com os jogadores uruguaios no jogo entre as seleções do Brasil e do Uruguai no Campeonato Sulamericano de 1959. É, também o cara que entrou no segundo tempo e virou o jogo que até então era vencido por 1X0 pelo Uruguai. Valentim fez três gols inesquecíveis naquela noite. Ainda o vejo, correndo de um lado para outro no dial do rádio, marcando os gols que deram a vitória ao Brasil.
Obviamente, a emoção vivida no dia daquele jogo é intransferível. Mas, ei-la de volta agora quando se fala outra vez do grande Paulinho Valentim.
Era outro mundo aquele, no qual só o rádio existia para nos trazer os lances de uma batalha inesquecível. Paulo Valentim pertencia aquele mundo do qual aos poucos vamos nos despedindo. Mas, quem viveu aqueles momentos de emoção certamente não os esquece. Era o Brasil que fora campeão do mundo em 1958, lutando bravamente para suplantar seus tradicionais adversários.
Quanta saudade!
Dia de campeão
Dias atrás assisti ao jogo entre o Real Madri e o Barcelona. Grande embate travado entre os craques que defendem as cores dos dois times. No fim venceu o Barcelona por 4 X 3 numa partida realmente memorável. O toque de bola, a criação de situações possíveis de gols, e a velocidade com que um time leva a bola à área do adversário são realmente espantosas. Eis aí um tipo de jogo no qual o telespectador fica com os olhos colados à tela da TV não perdendo um só instante do que se passa em campo.
Foi depois do jogo entre os times espanhóis que me perguntei sobre o que, afinal, se passa com o futebol em nosso país. Teriam secado as nossas fontes de grandes craques? O desaparecimento do futebol de várzea teria, como dizem, influenciado a queda na geração de bons jogadores? Estaríamos mal ajambrados no quesito técnica, jogando um futebol do passado? Ou a cartolagem estaria mais preocupada em poderes pessoais e negócios do que com aquilo que acontece em campo? E, finalmente, seria que a atual safra de técnicos estaria defasada quanto aos novos esquemas e modos de jogar?
Se um ou todos os itens citados no parágrafo anterior tiverem peso sobre o que hoje se joga nos campos de futebol do país é preciso, com urgência, corrigir (corrigi-los) para que o Brasil volte a ser a potência que sempre foi, mundialmente, no futebol. Aliás, que se diga: mesmo que a seleção nacional vença a Copa a se realizar em junho isso não significará melhora do nosso futebol. É preciso lembrar de que a maioria dos jogadores convocados atua no exterior e está habituada a jogar o futebol que hoje se pratica por lá. Daí que, nesse sentido e apenas nele, a seleção “nacional” não é de fato “nacional” embora constituída por brasileiros natos.
Tempos atrás assisti a uma entrevista de um ex-campeão mundial da Alemanha, hoje atuando como relações públicas do Bayern de Munique. Disse ele que o futebol que hoje se joga no Brasil é coisa do passado. Relatou o grande esforço dispendido na Alemanha que há oito anos, deu início a um processo de mudança da mentalidade sobre os modos de jogar. Tal mudança, radical, foi implementada nas divisões de base para que os meninos crescessem com outro modo de jogar. Trata-se do futebol que hoje se pratica na Europa, consistindo em jogadas mais rápidas, jogo veloz e efetivo que busca sempre a aproximação do gol adversário. Terminou o ex-jogador dizendo-se admirador inconteste do futebol brasileiro que deu ao mundo grandes jogadores. Entretanto, salientou a necessidade de uma mudança radical no futebol praticado no país.
Daí que não me surpreendeu a conquista do Campeonato Paulista de Futebol pelo Ituano no jogo de ontem contra o Santos. Sem ter em seu time nenhum craque consagrado mostrou o Ituano maior coesão e afinação no toque de bola entre os seus jogadores. Um time pequeno, mas armado dentro de suas condições para jogar o melhor futebol a eles possível. Trata-se de um exemplo de organização cujo resultado conseguido deve mesmo ser muito comemorado. Pena que o time será desmanchado porque ao Ituano cabe agora disputar a série D do Campeonato Brasileiro. Muitos de seus jogadores tornaram-se visíveis pelo futebol que praticam e com certeza atrairão o interesse dos grandes clubes.
Pena que seja assim. Da noite para o dia esfacela-se um exemplo do que bem que poderia ser o futuro do futebol do país.
Pedro Rocha
Não me lembro do ano, mas o jogo aconteceu na década de 1970, no Morumbi. São Paulo e Palmeiras jogavam pelo Campeonato Paulista. Jogo de fim de campeonato, estádio lotado, bela tarde de domingo. Eu me sentava mais ou menos na altura do meio do campo, na parte superior do estádio que hoje se chama de arquibancadas. Pedro Rocha vestia a camisa do São Paulo e estava jogando muito. No meio do segundo tempo Rocha recebeu uma bola no grande círculo, carregou a pelota até a linha média do Palmeiras e desferiu um chute mortal, de longa distância: golaço, enlouquecendo a torcida são-paulina. Ele era assim, tinha sobre a bola domínio completo, intimidade de berço, natural como poucas vezes acontece entre os praticantes do esporte. Viera para o São Paulo já coberto de glórias, defendendo a seleção uruguaia e o grande time do Penarol. Trazia o apelido de “Verdugo” que dá bem a dimensão de suas qualidades. Anos antes participara de um jogo vestindo a camisa da seleção do mundo que atuava contra o Brasil no Maracanã. Fez o diabo em campo, era mesmo demais com a bola nos pés. Chutava bem com as duas pernas, tinha excepcional visão de jogo e certamente pertence à pequena galeria de craques que se caracterizaram como os melhores de todos os tempos. Chamavam-no de “Pelé Branco” e contava com a admiração de Pelé. Para a torcida do São Paulo era o “Dom” Pedro Virgílio Rocha, mágico que sabia tudo de futebol que praticava com elegância e precisão. O “Dom” se aplicava a ele perfeitamente. Dom Pedro Virgílio Rocha morreu ontem aos 70 anos de idade. Nos últimos cinco anos sofria de mal cerebral que o retinha em casa. Jogou bola numa época em que não se ganhava o dinheiro que hoje se paga aos jogadores de exceção. Vivia com uma aposentadoria de R$ 1800,00 e o São Paulo contribuía com o seu tratamento. Pedro Rocha foi um grande ídolo que trouxe grandes alegrias aos amantes do futebol. Deixa saudades. Inesquecível.
Gylmar
Morreu Gylmar o eterno goleiro da seleção brasileira. Houve tempo em que o rádio tinha mais proeminência que a TV. Em São Paulo a dupla Pedro Luís - locutor - e Mário de Moraes -comentarista - eram os preferidos dos torcedores. Mário de Moraes dizia que grandes frangos só acontecem a grandes goleiros. Gylmar era grande e em sua carreira os frangos eram incomuns. Na verdade tratava-se de um goleiro esguio, ágil e extremamente seguro. Titular da seleção nas Copas de 58 e 62 consagrou-se pelas grandes atuações.
Gylmar era goleiro que contava com a confiança da torcida. Em jogo de Copa do Mundo quando o locutor narrava ataque da equipe adversária e advertia sobre o perigo de gol tinha-se muito claro que ainda eles teriam que vencer o grande Gylmar. O goleiro da seleção estava lá e era uma barreira quase intransponível.
Vi Gylmar jogar algumas vezes no Pacaembu. Certa quarta-feira estava ele no gol do Corinthians, enfrentando o Santos de Pelé. Naquela noite Pelé e Coutinho só não fizeram chover. Jogava demais a máquina santista contra um Corinthians em má fase. Gylmar fez o que pode, mas não pode evitar a derrota. Inesquecíveis suas defesas aos bólidos saídos dos pés de Pepe, ponta-esquerda que realmente chutava muito forte.
Mais tarde Gylmar foi para o Santos, time no qual conquistou muitos títulos. Era o goleiro capaz de operar milagres debaixo das traves.
Quando um grande jogador de futebol morre, deixa lacuna difícil de preencher. Devemos aos grandes jogadores o fomento de nossa paixão pelo futebol. São eles que acrescentam magia ao esporte, levando multidões inteiras à loucura.
Gylmar pertencia à galeria dos grandes ídolos, daí lamentarmos tanto a morte dele. Fica nas nossas memórias, absoluto em seu gol que defendia tão apaixonadamente.
Os quarenta anos de Rogério
Não adianta, está no sangue essa loucura por futebol. Desde pequenos ouvimos em nossas casas conversas e discussões sobre times, esse ou aquele jogador, seleção brasileira, jogos, Copa do Mundo e por aí vai. Então acontece a inevitável contaminação do sangue pela paixão, dai nascendo essa incompreensível devoção que se traduz numa mescla de alegrias e tristezas, bom e mau humor, revoltas, brigas e muitas vezes até ódio. É o futebol que nos apaixona, verdadeiro vício que só se abandona com a morte.
De tempos em tempos aparece algum jogador que encanta a torcida, desses que ganham respeito até dos adversários, seres com os quais estabelecemos relação de confiança porque deles passa a depender grande parte da satisfação que temos em nosso dia-a-dia. Os brasileiros têm, certamente, listas de figuras inesquecíveis que passaram pelos gramados do país e ligaram seus nomes ao imaginário popular. Craques que participaram de memoráveis conquistas merecem reverências e deles jamais nos esquecemos. Citar nomes como os de Pelé e Garrincha pode servir para abertura de uma longa relação de nomes de grande agrado da enorme torcida brasileira.
Mas, como tudo passa, eis que a idade dos ídolos também avança. É assim que, de repente, acontece de Rogério Ceni chegar aos quarenta anos, ele que de há muito pertence à galeria dos maiores goleiros do país, operador de milagres debaixo das traves, incrivelmente dotado da capacidade de converter faltas em gols. E chega ao pórtico dos quarenta em plena e invejável forma, jogando muito, recebendo os merecidos aplausos dos torcedores. Trata-se, portanto, de um craque entre os craques, alguém dotado de talento e disciplina, desses que se entregam com paixão aos seus ofícios, daí sua natural liderança e exemplo aos colegas de profissão.
O dia de hoje é de festa para a grande torcida são-paulina que se orgulha de seu grande goleiro e agradece a ele por todos esses anos nos quais seu talento e empenho trouxeram-nos tantas alegrias. Agora pouco ouvi pelo rádio a narração de uma das grandes defesas realizadas por Rogério naquela final do mundial de clubes contra o Liverpool. Para mim foi como se o jogo estivesse acontecendo naquele momento, de novo, como deverá acontecer em todas as vezes que em que me lembrar desse lance que vi pela televisão no dia em que ocorreu.
Então é isso, deixo Rogério Ceni debaixo das traves, pulando, mãos trocadas, tirando do ângulo a bola chutada pelo inglês que teria o destino certo das redes. É nessa posição, operando defesas milagrosas que Rogério se fixa, porque ali é e será, para sempre, o lugar dele nas nossas memórias.
Parabéns ao Rogério pelos seus quarenta anos e vida longa a você em sua carreira esportiva.
Ronaldinho Gaúcho
O que se diz a toda hora é que ele fica mais feio quando abre a boca. Mas parece que não é bem o que a mulherada acha porque corre por aí que o Ronaldinho gosta mesmo é de noitadas, de festas. Por isso tantas piadas em relação a ele, a última a de que felizes mesmo com a contratação dele não estão os torcedores do Atlético de Minas, mas sim as casas noturnas de Belo Horizonte.
Agora que o Ronaldinho deu um pé na gente do Flamengo o clube carioca prepara-se para defender-se porque não quer pagar os 40 milhões de reais reclamados pelo jogador. Fala-se até que jogadores e funcionários do Flamengo estão dispostos a depor no processo para deixar claro o mau comportamento do Gaúcho. Isso faz a delícia dos cronistas esportivos que, a toda hora, repetem que o Gaúcho vinha direto das noitadas para treinar no Flamengo.
Rapaz, ao que parece essa história vai longe. Pois não é que está circulando na internet um vídeo que traz como título “a escapada” do Ronaldinho? No vídeo uma mulher se hospeda num hotel e pouco depois um sujeito - o Ronaldinho? - sai do elevador e vai para o quarto dela onde acaba passando a noite.
Do jeito que vai o Gaúcho corre o risco de tornar-se unanimidade nacional quanto ao desapego pelo futebol e a dedicação a essa outra vida que o acusam de levar. Ainda não é unanimidade é bom que isso fique bem claro. Torcedores do Atlético de Minas entrevistados se não mostraram confiança no futebol do rapaz demonstraram que, entretanto, vão torcer por ele, para que dê certo no clube. Entretanto, na mídia, o que se diz é que o presidente do Atlético teve um acesso de loucura ao contratar Ronaldinho, isso apenas quatro dias depois de ele sair do Flamengo.
Escrevo sobre isso porque não aguento mais ouvir falar sobre a vida do Ronaldinho Gaúcho sobre quem o que interessa mesmo é o futebol. A história dele está dando pano pra manga e não há veículo de comunicação que não estampe em suas publicações o próximo passo da novela Ronaldinho. Acusam-no de falta de compromisso, profissionalismo, responsabilidade etc. E ele, o que diz ele?
Bem, ele não perde o jeito de quem parece nem estar aí para essa confusão toda. Da noite para o dia aparece treinando em Minas Gerais e declara que sua carreira está longe de acabar. Fala com a sabedoria dos que conhecem tudo sobre jogo de bola, mestre que sempre foi da arte de jogar futebol.
Há quem diga que o Gaúcho está acabado. Outros dizem que atingiu aquela fase em que está muito rico e quer viver a vida, o futebol não interessa mais a ele. Olhe, não sei não. No fundo me parece que existe excesso de luz sobre um cara que dá notícia e chama tanta atenção. Quem sabe se o ignorassem um pouco, se deixassem pra lá as loucuras dele, quem sabe se ele não voltaria a ser o grande jogador que sempre foi. Hoje mesmo ouvi um cara falando que o Garrincha fazia das dele, mas quando entrava em campo produzia daí ninguém falar mal dele. Segundo esse cara o que falta ao Ronaldinho é jogar bem o futebol. Pois que ele tenha suas escapadas, que vá a festas toda noite, mas que jogue quando entrar em campo. Afinal, os homens sempre perdoam os erros dos eleitos quando esses retribuem com o que deles se espera.
É preciso lembrar que futebol é paixão. Ronaldinho Gaúcho é apenas um elo que nos liga a essa louca paixão, daí o cobrarmos tanto.
E o Barcelona?
Torcedores do Santos não disfarçavam a alegria pela desclassificação do Barcelona diante do Chelsea. A vibração tinha duas razões: o gosto de vingança contra um time perfeito que humilhara o Santos na final do Campeonato Mundial Interclubes do ano passado; e a certeza de que o Santos vencerá a Taça Libertadores e não terá o Barcelona pela frente em nova disputa pelo título mundial.
Mas, o que mais me impressionou foi perceber que muita gente torcia contra o Barcelona. A razão talvez fosse o desejo de ver-se quebrada a fama de imbatível, afinal o perfeito sempre incomoda. E, em matéria de futebol, há que se concordar que, nos últimos anos, nenhuma equipe de futebol, seleção nacional ou não, nem de longe se aproximou da condição de que hoje desfruta o time do Barcelona.
Messi perdeu um pênalti no jogo, logo Messi não é mais o mesmo. Ouvi de algumas pessoas que repetiam isso com indisfarçável alegria. Mas, futebol não é assim mesmo? Não é aquele esporte em que tudo pode acontecer? Muitas vezes até contrariando toda a lógica e expectativas?
Na empresa onde trabalho havia, há alguns anos, um porteiro, corintiano roxo, além disso, um grande entendido de cinema. Consta que em seu passado chegara a ocupar cargos de mais relevância, inclusive de alguma liderança no sindicato do setor em que trabalhava. Também diziam as más línguas que o porteiro era do tipo que “viveu a vida” torrando cada centavo que ganhou em muita diversão. Eu sempre conversava com ele, fã de cineastas, atores e grandes jogadores de futebol sobre quem falava com conhecimento. Pois aconteceu, certa ocasião, o Corinthians estar para jogar com um time mais fraco, mal classificado no campeonato, daí ser a equipe corintiana francamente favorita. No dia da partida cruzei com o porteiro no corredor e comentei que o Corinthians ganharia facilmente. Ao que ele me respondeu, apreensivo:
- É jogo, amigo. Jogo é jogo daí que tudo pode acontecer.
Não me lembro do resultado da partida do Corinthians naquele dia, mas guardei a noção pura de jogo como algo que abre um leque de possibilidades, daí tudo ser possível, inclusive os resultados inesperados.
Bem, o Barcelona nada mais foi que vítima do jogo. Jogo esse, aliás, jogado por seus atletas contra um dos mais perfeitos esquemas de ferrolho de que se tem notícia. O Chelsea obviamente tem um time de estrelas, muito bom, mas está aquém do Barcelona. Aliás, o Barça comandou as ações durante quase todo tempo da partida. Mas, esbarrou na grande aplicação tática dos jogadores do Chelsea que desempenharam com perfeição as suas funções.
Vale, ainda, lembrar que futebol é esporte caprichoso no qual pesam fatores como acaso, sorte e até estar no dia certo. Por isso, aos que da noite para o dia decretaram o fim do Barcelona e de Messi recomenda-se cautela. O time apenas empatou com o Chelsea e não se classificou. Mas, quem assistiu ao jogo sabe que nem por isso o Barcelona deixou de ser aquela equipe mágica, melhor que o próprio Chelsea, embora aparentemente tenha-se encontrado, no momento, antídoto contra as graças que seu time mostra-se continuamente capaz de realizar. E o Chelsea soube utilizar maravilhosamente esse antídoto baseado no ferrolho e nas jogadas de contra-ataque.
Por fim, seja lá porque os jogos da Europa passaram a ser transmitidos, seja porque o futebol brasileiro esteja em baixa, o fato é que começamos a conhecer talvez melhor as equipes europeias que as nossas. Isso não deixa de ser curioso e preocupante.
Chute no traseiro
O Brasil precisa de um chute no traseiro, entre nós mais conhecido como pé na bunda. Quem disse isso foi Jerome Valcke, secretário geral da FIFA. A reação foi imediata: o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, pediu à FIFA a substituição de Valcke como negociador e contato da FIFA com o Brasil. Cobranças, desculpas do presidente da FIFA, declarações dizendo que em inglês pé na bunda significa necessidade de apressar-se, as coisas andam mal paradas nessa história de Copa do Mundo a ser realizada no Brasil, em 2014.
Estamos a dois anos do pontapé inicial da Copa. Ontem foi aprovada a Lei Geral da Copa que permite a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, garante 50% de descontos aos idosos (EBA!!!) e coloca 300 mil ingressos a preços com descontos para estudantes e outros. Agora a Lei deve passar pela Câmara e Senado para a aprovação final.
Mas, afinal e como dizem os Hermanos argentinos: que passa? O ministro Aldo Rebelo afirma que não há atraso nas obras para a Copa. Naturalmente refere-se ele a obras de estádios onde serão realizados os jogos. O problema maior, entretanto, diz respeito a meios de transporte, estacionamentos, aeroportos, enfim toda ai infraestrutura necessária para a realização do grande evento. Em relação a isso as coisas de fato estão em compasso que não nos permite prever solução rápida, em curto prazo. Vejam-se os problemas com aeroportos cuja expansão só agora o governo resolveu dividir com a iniciativa privada. Aliás, assunto que vem dando discussão absurda dado que políticos ligados ao governo não admitem tratar-se de privatização. A encrenca de palavras e acusações é séria porque uma das mais contundentes acusações ao PSDB, quando no governo, justamente era a entreguismo através de privatizações. Mas aí entramos no terreno da tão citada “herança maldita” que na verdade nunca existiu.
Do que estamos cheios até a tampa é dessa conversa toda. No final das contas os brasileiros sofrem no trânsito todo dia, os portos e aeroportos deixam demais a desejar e só faltava vir esse tal de Valcker avisar-nos de que o país precisa de um pé na bunda. Justamente ele, o Valcker, alto prócer de uma das organizações mais bem sucedidas do mundo, que tem mais países associados que a ONU e que se locupleta com lucros fantásticos pela prática do futebol em todo o mundo. Reagiu bem o governo contra esse cidadão que entra pela nossa porta de dedo em riste, porque na cabeça da turma de fora ainda somos o velho Brasil onde se manda e exige.
Mas, FIFA de parte, a nossa realidade é mesmo preocupante. No governo anterior o presidente Lula vibrou muito com a escolha do país para a realização da Copa e prometeu que iríamos nos arranjar a contento. Será? Tem até gente por aí lembrando-nos de que até o próximo mês de julho a FIFA pode cancelar o contrato de realização da Copa no Brasil. A ideia seria transferir a competição para a Inglaterra. Isso parece absurdo e na verdade deve mesmo ser.
Nessa história toda envolvendo políticos e cartolagem do que menos se fala é do futebol. A grande tristeza, a maior delas, é que no Brasil está-se praticando um futebol que está bem distante de nossa gloriosa tradição futebolística. Até agora o Brasil nem mesmo tem um time formado e os jogos que a seleção realiza são de qualidade lastimável. Não há como negar que por safra de jogadores, desorganização, técnico inadequado ou o que quer que seja o futebol brasileiro está em baixa quando comparado ao praticado em outros países. E só falta perdermos a Copa aqui dentro de casa, nos nossos gramados, diante da entusiástica torcida brasileira que, afinal, está bem precisando dessa grande alegria para deixar de lado o sufoco do dia-a-dia.
O futebol brasileiro
Não se fala noutra coisa que não a derrota do Santos diante do Barcelona no jogo que decidia o campeonato mundial entre clubes. No jogo, realizado ontem no Japão, o Barcelona proporcionou aula de como jogar e impôs derrota humilhante ao Santos. Basta dizer que o Barcelona teve 75% de posse de bola durante o jogo e que o time do Santos assistiu ao baile proporcionado pela equipe espanhola.
Terminada a partida toda sorte doe comentários, alguns muito apressados, pipocam em toda a mídia. Há quem veja na derrota santista sinal de decadência do futebol brasileiro que já há alguns anos deixou de ser o que sempre foi. Criticam-se técnicos, a falta de esquema de jogo, o futebol desarticulado que se resolve na base de chutões para frente e assim por diante. A derrota santista parece colocar a nu a atual condição do Brasil futebolístico no qual existem craques, mas não esquema de jogo.
A situação é preocupante porque a Copa de 14 vem aí e será realizada no Brasil. Nem pensar em vexame brasileiro, perdendo a Copa em casa. Infelizmente, porém, a seleção brasileira não tem se apresentado bem, tendo perdido os jogos mais importantes que realizou ao longo deste ano. De fato, diante de adversários de prestígio a seleção se deu mal, fato que coloca enorme interrogação na cabeça desse povo apaixonado por futebol.
Bem, nem lá, nem cá. O jogo de ontem me trouxe outro, aquela derrota da seleção brasileira diante da Holanda em 1974. O carrossel holandês passou pelo Brasil, embora a resistência da equipe brasileira na qual figuravam craques como Rivelino e Jairzinho. Naquela ocasião o Brasil perdeu para um futebol solidário que não determinava posições fixas e era brilhante. Nem de longe se pode comparar o comportamento da seleção brasileira de 74 como a apatia do time do Santos no jogo de ontem. Mas, entre os dois jogos é possível se estabelecer a comparação dos times vencedores nos quais craques da bola jogavam solidariamente e com esquema de jogo pré-estabelecido.
De todo modo a palavra que mais se ouve no dia de hoje em relação ao futebol brasileiro é “repensar”. Afirma-se que é preciso repensar o que acontece atualmente no futebol brasileiro que, a continuar como está, corre sério risco de derrota na próxima Copa do Mundo.
Deixando tristezas e dores de cotovelo de lado o fato é que, para quem gosta de futebol, foi uma beleza ver o Barcelona jogar. O time de Messi glorifica a grande arte do futebol e, de fato, arrebentou com o Santos. Se o jogo de ontem vier a servir para uma análise mais profunda sobre o futuro a seguir nesse esporte das multidões no Brasil, o Barcelona terá prestado grande serviço ao país com o brilhante futebol nos brindou ontem, no Japão.
Pelé, 70 anos
De vez em quando me ponho a pensar sobre os fatos mais marcantes acontecidos durante o período de minha vida. Um dos primeiros foi o assassinato de John Kennedy, na época em que eu iniciava aquele que então era chamado de curso ginasial. Lembro-me de que fomos dispensados das aulas e saímos da escola com a ideia de que algo muito grande tinha acontecido. Para nós era como se o mundo fosse acabar dado que não fazíamos a menor ideia da proporção, nem mesmo dos reflexos que poderia ter a morte de Kennedy sobre as nossas vidas.
Ainda hoje acho que o impacto sobre nós do assassinato ocorrido em Dallas prende-se mais à gravidade das palavras do diretor da escola quando ele nos comunicou que o mundo corria perigo. Era uma tarde fria e o ginásio estadual em que estudávamos ficava no alto de uma elevação à qual se chegava por ruas íngremes. Suspensas as aulas, descemos por aquelas ruas, uma turba de alunos em silêncio, avisados sobre um acontecimento muito grave e esperando, talvez, pelo pior que poderia acontecer ao mundo.
Outro fato muito marcante ocorreu antes da morte de Kennedy: foi a conquista do Campeonato Mundial, realizado na Suécia, pelo Brasil. Menino, eu ouvia dos meus parentes mais velhos inúmeras histórias sobre o futebol que sempre terminavam com comentários sobre a Copa de 50 quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai em pleno Maracanã. Um primo de meu pai, o Vicente, assistiu ao jogo no estádio, e contava inúmeras histórias sobre o episódio fatídico. Nomes como os de Obdulio Varela Gigghia , carrascos dos brasileiros na vitória uruguaia, eram moeda comum em todas as conversas. Falava-se sobre a desastrosa atuação de Bigode, se o goleiro Barbosa poderia ter evitado o segundo gol uruguaio, a cabeçada de Ademir que bateu na trave uruguaia no último minuto, o erro do técnico Flávio Costa que preferiu levar um parente dele, o Chico, para jogar na ponta-esquerda da seleção, e assim por diante. A essas histórias se juntavam as da Copa de 54 quando o Brasil foi derrotado pelo excepcional selecionado da Hungria, aquele em que jogava Puskas, que no final das contas perdeu a Copa para a Alemanha. Nomes como os de Castilho, Bauer e Humberto, jogadores da seleção de 54, eram sempre citados.
Por fim veio 58, o ano da redenção do futebol brasileiro. Entre outros significados a Copa de 58 serviu para ajudar a vencer, pelo menos em parte, o complexo de inferioridade terceiro-mundista do povo brasileiro. Ganháramos, éramos melhores que os outros em alguma coisa e o país estava indo para frente. Mas, 58 foi também o ano em que Pelé nasceu para o Brasil e para o mundo. De repente, um garoto de 18 anos de idade, sem a menor cerimônia, estraçalhava com os ferrolhos europeus e mostrava que o Brasil tem gente capaz. Os jogos transmitidos pelo rádio pela voz de Pedro Luís e Edson Leite gravaram-se nas memórias como documento e testemunho de uma época em que, inesperadamente, um povo sofrido tornou-se feliz.
Falando sobre fatos marcantes que muito me impressionaram, devo dizer que tive a sorte de viver na época em Pelé jogou futebol. Muitas vezes eu o vi jogar no Pacaembu que, na época, era muito utilizado pelo time dele, o Santos. Seria impossível traduzir em palavras as maravilhas que saíram dos pés de Pelé, certamente um agraciado dos deuses. Note-se que quando se fala de Pelé, no futebol, em geral destacam-se os seus gols, jogadas brilhantes e mesmo exaltam-se os seus dotes físicos invejáveis, certamente propulsores de toda a magia de que ele era capaz. De todo modo era isso e mais que isso porque vê-lo em campo, sua colocação e inteligência nata para o esporte, as previsões de jogadas, enfim o que fazia mesmo quando não estava com a bola, era simplesmente demais.
Ter visto Pelé jogar terá sido um dos prêmios que recebi e levarei desse mundo. Ter sentido a emoção de vê-lo no momento de suas realizações em campo é dessas coisas que não tem preço, fantásticas e insubstituíveis.
Pelé completa 70 anos de idade e recebe homenagens, mais que merecidas, em todo o mundo. Creio não ser demais dizer, em meu nome e da minha geração, muito obrigado Pelé. Você nos deu muita alegria, fez-nos acreditar que tudo é possível. No mais é fechar os olhos e retornar a uma noite de quarta-feira, Pacaembu lotado, e rever Pelé pegar uma bola no meio do campo, avançar driblando, até chegar perto do gol e colocar a bola nas redes. Depois, enquanto o Deus comemora, toda a torcida fica em pé, mesmo a do time adversário, batendo palmas, essas palmas que nunca sairão da minha cabeça, porque magia é para sempre.