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Um goleiro
Goleiro é a posição mais ingrata no futebol. Se o goleiro atua bem, se faz defesas incríveis, é tratado como fenomenal. Mas, a boa fama não resiste a um belo “frango”. Basta um vacilo para que o herói de ontem vire o frangueiro de hoje.
Mário de Moraes, antigo comentarista de futebol, dizia: “um grande time começa por um grande goleiro”. De fato, não adianta os outros dez jogarem bem se o número 1 deixa a bola entrar com facilidade. Goleiro impõe respeito aos adversários e garante confiança aos defensores de sua equipe. Isso não quer dizer que mesmo os melhores nunca falhem. Já vimos celebridades debaixo das traves tomando frangaços.
Nem sempre grandes goleiros atuam em grandes clubes. Muitos deles não veem decolarem suas carreiras, atuando sempre em clubes sem expressão. Esse é o caso do Marco, especialista debaixo das traves, espaço que dominava como poucos. Ágil e de boa estatura fazia uso de sua formidável impulsão para “voar” atrás das bolas cujo destino seriam as redes de seu gol.
O Marco jogava no time da cidadezinha em que vivia. Seus adversários eram as equipes de localidades vizinhas. No “estádio” cujas arquibancadas eram montinhos naturais e o “gramado” nada mais que terra batida o Marco era o titular no gol do “primeiro quadro”. Nos jogos, sempre realizados aos domingos, a partida principal - a do “primeiro quadro” - era precedida por uma preliminar disputada entre os “segundos quadros” das duas equipes.
Vale lembrar de que o campo de futebol localizava-se no alto de um morro. Chegava-se a ele através de uma trilha. Daí ser comum dizer-se que o jogo tinha três tempos, o primeiro deles representado pela subida dos jogadores pela trilha. Pior ainda o fato de que o campo não era lá totalmente plano. Uma de suas metades era ligeiramente obliqua de modo que o ataque da equipe que atuasse contra “o gol de cima” teria contra si a dificuldade de manter o controle da bola contra a declividade. Alias, se alguém subia pela trilha em direção ao campo com o jogo já começado era comum que perguntasse a alguém que voltava:
- Nosso time está jogando para cima ou para baixo?
Pois foi nesse lugar que se viram as grandes atuações do goleiro Marco. Tão boas eram que certa vez foi visto por um dirigente de uma equipe interiorana que disputava o Campeonato Paulista de Futebol. Esse dirigente levou o Marco para o seu time no qual o goleiro rapidamente tornou-se titular. Assim, o goleiro que atuava em sua cidade num campo de terra batida passou a atuar contra equipes da divisão superior do futebol paulista. Entretanto, não tinha o Marco o preparo atlético de que dispõe os jogadores das equipes profissionais. Atuando bem e seguidamente aconteceu a ele a contusão num dos braços que o impediria de jogar e determinou o encerramento precoce de sua carreira.
De volta à sua terra natal o Marco empregou suas economias num restaurante. Era comum vê-lo ali, atendendo aos fregueses e falando sobre futebol. Curiosamente um dos frequentadores do restaurante era um estrangeiro que, certo dia, contou ao Marco ter sido membro do conjunto de Frank Zappa. Ter em seu restaurante um músico de tal envergadura tornou-se motivo de orgulho para o Marco. Toda vez que o tal chegava ao lugar o Marco sussurrava a outros clientes: tocou com o Frank Zappa.
É bem improvável que aquele estrangeiro de fato tivesse tocado com Zappa. Entretanto, isso não tinha a menor importância num meio em que inexistiam celebridades e qualquer uma delas - verdadeira ou falsa - seria muito benvinda.
Marco, o goleiro, morreu cedo. Não se conhece a doença que o vitimou precocemente. Deixou à sua gente a imagem do goleiro sempre vestido de negro, voando debaixo das traves, evitando gols e contribuindo com um pouco de alegria aos conterrâneos que, de sol a sol, trabalhavam na lavoura.