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Confusão global
Você lê que as eleições no Irã se realizaram e se pergunta se, afinal, existe algum tipo de saída para o país dos aiatolás. Vem à memória o xá Reza Pahlavi que parecia tão indestrutível ao lado da bela Soraya. E deu no que deu, o xá/ditador destituído de seu orgulho e poder, representando o fim de uma era para os iranianos que até hoje buscam o seu caminho.
Você fica sabendo que os EUA - melhor dizendo o governo os EUA - monitora as ligações telefônicas dentro e fora de seu país. Protesta-se contra a invasão da privacidade individual, mas o presidente Obama vem a público para perguntar o quê, afinal, querem os cidadãos se a segurança do país depende de ameaças terroristas.
No Brasil o povo sai às ruas para protestar contra o aumento das tarifas dos ônibus urbanos e o protesto se transforma numa verdadeira guerra entre manifestantes e a polícia. O governo de São Paulo declara que não vai tolerar o vandalismo, a Anistia Internacional revela-se preocupada com a repressão e as coisas seguem indefinidas.
A crise europeia segue de vento em popa e agora o FMI admite que pegou pesado demais com a Grécia. Os gregos vivem talvez o pior momento de sua história e não existe solução imediata ou mediata para a recuperação do país. Países europeus como a Espanha estão em situação econômica complexa e em Madri a cada dia famílias são obrigadas a deixar as suas casas por não poderem pagar financiamentos ou aluguéis.
Eu poderia passar o dia inteiro citando situações aberrantes que na verdade já não nos impressionam tanto dado que nos habituamos ao mundo do jeito como ele está. A Terra já não é a mesma, as regras estabelecidas não parecem suficientes para que se tomem decisões acertadas e as minorias que têm nas mãos o poder de decidir simplesmente não sabem o que fazer.
O capitalismo e globalização contribuíram para o estabelecimento de um mundo onde a todo custo se quer a felicidade cada vez mais impossível. Progressivamente se detecta a existência de uma Babel na qual se desconfia até mesmo dos meios de distinção entre o certo e o errado.
Os alicerces do mundo em que vivemos estão corroídos e se mostram incapazes de sustentar a brutal diversidade de interesses que reina em toda parte.
Falando com o futuro
Um homem está diante de uma filmadora, resolvido a gravar impressões sobre coisas que venham à sua memória. É o dia do seu aniversário, data em que se torna, finalmente, um sexagenário. A idéia é realizar um depoimento que, talvez um dia, venha a ser visto pelos seus descendentes. Anima-o não ter conhecido os seus avós: o que não daria ele para receber agora uma mensagem de seus antepassados, vê-los em suas plenitudes, enfim conhecê-los?
O projeto parece-lhe interessante, talvez seja um meio de preservar valores, estabelecer identidades, quem sabe alertar as gerações futuras sobre a solução de embaraços vivenciados anteriormente. Além disso, não se trata de coisa que se faça sem emoção: é para um público ainda inexistente que o homem se dirigirá, gente desconhecida, mas que, espera ele, pertença ao seu clã, carregue em seu genoma pelo menos alguns de seus genes.
Os primeiros momentos diante da filmadora são de absoluto silêncio. A imagem do homem vai sendo gravada e ele percebe que está sendo observado pelos olhos do futuro. Então sua condição lhe parece inevitavelmente retrógrada. Diante da filmadora ele se converte, a um só tempo, em presente e passado. Passa-lhe pela cabeça que talvez esteja se expondo ao ridículo e possa ser, no futuro, objeto de troça de seus próprios parentes. Que terá feito ele na vida para deixar como legado às gerações futuras? Que experiências acumulou que possam acrescentar algo à existência dos que o assistirão? Poderá ele ser honesto em suas declarações, ainda que obrigado a omissões de alguns desvios, mesmos aqueles que lhe foram impostos pelas circunstâncias?
O que segue é um breve currículo pessoal, comentários sobre pessoas próximas, um breviário sobre atuação profissional e impressões desarrumadas sobre a sociedade globalizada. Uma pitada sobre a violência, outra sobre crises econômicas, um recuo na história recente, a declaração de amor ao time de futebol preferido, um rascunho sobre a corrupção e explicações sobre a mudança de hábitos proporcionada pelos incríveis avanços tecnológicos verificados nos últimos anos. Há também pausas, numa delas a presença de lágrimas diante da idéia romântica de que quando isso for assistido ele não estará mais aqui. O deixar de existir e a permanência de sua imagem num futuro incerto o emociona.
Como termina? Deixo o fim em aberto. Pode ser que o homem se enforque em seguida, daí o filme ter sido o seu modo de despedir-se do mundo; também pode ser que o homem desligue a filmadora e guarde o filme para que seja visto no futuro; e existe a possibilidade de que ele simplesmente conclua sobre a inutilidade de seu ato e apague a fita em que gravou o seu depoimento.
Fica a critério do caro leitor a escolha do final que achar conveniente para a história do homem que pretendeu falar com o futuro.
E, vale a pergunta: se você estivesse diante de uma câmera para deixar algo gravado para a posteridade, o que diria? Como se apresentaria aos seus bisnetos?
Você tem uma filmadora?