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Na rua ou no salão?
E aí? Pronto para rasgar a fantasia? A coisa começa hoje a noite embora já esteja rolando quente por esse Brasil afora. Ontem Salvador já estava em festa porque a chave da cidade foi entregue ao Rei Momo. Pronto: chave na mão do Rei e a folia foi autorizada. E lá vieram os trios elétricos com toda aquela parafernália de equipamentos de som. O barulho era tanto que os holandeses que invadiram a Bahia no século XVII quase se levantaram nos cemitérios.
Coisa louca a atividade dos “cordeiros”, os carinhas que cuidam da corda que separa o pessoal dos blocos da turma da pipoca. O pessoal dos blocos é o mais endinheirado, gente que compra os abadás e garante o direito de brincar dentro do limite das cordas. Fora delas fica a multidão que forma a pipoca, marchando firme atrás do trio elétrico. Pois é, amigo, carnaval de rua não é exatamente uma festa da igualdade…
Mas não é hora de pensar em diferenças sociais porque a Praça Castro Alves é do povo, como diz a letra daquela música do Caetano Veloso. Aliás, você já “sentiu” a Praça Castro Alves?
Da Bahia para o Brasil, para a invasão do “Galo da Madrugada” no Recife. Gente, o “Galo” é simplesmente demais, esse sim capaz de trazer de novo da Holanda o Maurício de Nassau para por ordem na cidade. Quando o “Galo” está nas ruas só uma nova invasão holandesa para resolver. O “Galo” é o maior bloco do mundo, com direito a reconhecimento no Guiness Book. Na alucinação de um frevo rasgado mais de trinta trios elétricos arrastam uma multidão que não deixa espaços para nada. Viva o “Galo da Madrugada”. A benção grande compositor Nelson Ferreira, autor dessa maravilha de frevo que é “Evocação nº 1”:
Na alta madrugada
O coro entoava
Do bloco a marcha-regresso
E era o sucesso dos tempos ideais
Do velho Raul Moraes
Adeus adeus minha gente
Que já cantamos bastante
E Recife adormecia
Ficava a sonhar
Ao som da triste melodia
Do Recife para as ruas de Olinda, por que não? E lá vêm os bonecos gigantes acompanhados pela multidão. Quem abre o carnaval de Olinda é o “Homem da Meia-Noite” com seu dente de ouro, trajado com terno verde e cartola. Irresistível, fenômeno a céu aberto da imaginação e folclore de um povo gerado pela fusão de muitas etnias, alegre, festivo, talvez inexplicável.
E chega. Depois disso tudo creio que você não terá outra opção que não a de se sentir parte integrante dessa loucura e sair por aí para se divertir.
Então, amigo, você vai se esbaldar na rua ou no salão?
Carnaval
Estão aí o carnaval e a folia. As escolas de São Paulo aprimoram-se em luxo e riqueza. As do Rio fazem do Sambódromo palco de evento de fantástica magnitude. Fora esses lugares o carnaval se espalha pelos quatro cantos do país. Quem resiste ao apelo do Galo da Madrugada no Recife?
Nem adianta dizer que o carnaval mudou. Não é mais o mesmo? Não existe mais a folia pela folia? Os estudiosos que me perdoem, mas carnaval é festa orgulhosa demais para se dar ao desfrute de ser explicada. É festa que faz parte da alma coletiva do povo, a tal alma madrugada do povo Emboaba. É festa dançada a samba, frevo e todos os gêneros de batuque. O carnaval é o filho um pouco mais comportado do entrudo que gerou essas formas tão desconexas de comemoração nas quais a única lógica possível é justamente a falta de lógica.
Mas, nada disso importa muito. O que continua valendo é a alma do folião. Estou me referindo ao folião de raça como o do samba do Ari Barroso: aquele que se acaba num cordão e só volta para casa na quarta-feira, cantando a Jardineira. Pois esse folião existe, ele é parte essencial do imaginário nacional, sem ele não há carnaval.
Do folião de raça, desse folião de samba que tem poesia na letra, deriva o exército de foliões que toma as ruas sob o som da batucada infernal. O Brasil só continuará a ser Brasil enquanto de repente, não mais que de repente, um sambista dobrar a esquina com um pandeiro na mão. A figura desse sambista-padrão todos conhecem: chapéu de malandro, camisa listrada, calça e sapatos brancos, o sorriso maroto. Sem esse cara o Brasil não é o Brasil, as mulatas não rebolam, as passistas ficam congeladas num último movimento, as escolas não vão para a pista, não há samba-enredo, não existe carnaval.
É carnaval. Que venham os abre-alas. Quem não quiser entrar no cordão, pelo menos sorria. A alegria geral não foi feita para deixar ninguém de fora. Meu caro, considere: nós brasileiros já vivemos na pipoca dos acontecimentos, naquela estreita margem dos que não tem nome e acompanha o cortejo do dia-a-dia. Pois nesses quatro dias, vamos entrar na outra pipoca, essa que corre atrás dos trios elétricos.