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Gente estranha
De que existe todo tipo de gente não se discorda. Acho que foi o Caetano quem disse que de perto ninguém é normal. Para começar, uma análise mais profunda exigiria rigor quanto ao conceito de normalidade. Dizer que “normal” é o mais comum não basta. E por aí vai.
Sempre repito o caso vivido por ocasião de uma passagem de ano numa capital do nordeste. Convidado para a festa conheci, durante o evento, um sujeito boníssimo. Boa prosa, educado, extremante simpático. As coisas só saíram do prumo quando conheci a mulher do gajo e falei bem dele a ela. A mulher sorriu, disse que o marido era ótimo exceto por um probleminha: ele tinha por hábito esperar que todos da casa adormecessem para só depois ir à cozinha e desligar a geladeira. Fazia isso todas as noites, religiosamente. Então voltava para cama e dormia. A mulher esperava que ele adormecesse para então ela ir à cozinha religar a geladeira. Não poderia perder os alimentos armazenados.
Convivi durante anos com um homem extremante correto que trabalhava na área da Justiça. Homem nascido no começo do século 20 vestia-se com esmero, era educado e cortês. Nos domingos permitia-se um ou dois goles de alguma boa cachaça e isso era tudo o que poderia se dizer sobre sua personalidade sempre afeita ao comportamento exemplar. Entretanto, eis que esse senhor tinha lá a sua “loucura”. Nos dias quentes em que hordas de mosquitos invadiam o ambiente, divertia-se ele em colocar veneno para esses animais num pires e observá-los nos momentos em que, atraídos, ficavam à mercê da substância que os mataria.
Acontece que, nesse caso, a morte não é súbita. Os pequenos animais se debatem sob ação do veneno, tentando levantar o já impossível voo. Pois àquele senhor essa batalha entre a vida e a morte, o sofrimento dos mosquitos ao dançar a fúnebre valsa do fim, tudo isso era de seu extremo agrado. Não se continha o senhor em gestos e palavras ao assistir àquele ritual da morte dos animaizinhos.
Como dizia um amigo de meu pai, há muito desaparecido, cada um com o seu peru.
Gente estranha
No fim das contas todos são humanos. A frase anterior é sempre utilizada em socorro de certos contatos estranhos que vez ou outra acontecem a toda gente. Há quem diga que o estranhamento entre seres humanos em todos os casos pode ser atribuído a idiossincrasias individuais. Mas, não será verdade que há gente que reune traços individuais que são identificados como estranhos por mais de uma pessoa?
Aconteceu-me de certa ocasião entrar num dos vagões do metrô de Londres em hora avançada da noite. No vagão estavam sentados apenas dois sujeitos que terão sido os seres humanos mais estranhos que vi em toda a minha vida. Sinceramente, passou-me pela cabeça estar diante de um contato imediato de terceiro grau, enfim na presença de alienígenas.
O fato é que os dois caras eram realmente estranhos, mas, leia-se bem, para a época. Sim, porque todos os apetrechos que então usavam, os cabelos de várias cores, as roupas de modo algum convencionais, os variados piercings, os enormes brincos, o desenho em torno dos olhos e lábios, tudo aquilo se espalharia como modismo no mundo nas décadas seguintes.
Quero dizer que estranhas mesmo são pessoas cujo interior, cuja alma, se revela - e desafiadoramente - em seu aspecto externo. Pouco ou nada a ver com roupas, adornos e apetrechos de todo tipo. Estranho mesmo é esse cara que manteve presas em sua casa três mulheres por dez anos, infinitos dez anos nos quais abusou delas sexualmente e as torturou.
Estranha é aquela mulher que matou o marido japonês e esquartejou o corpo dele para jogá-lo fora dentro de malas.
Há pessoas diferentes no mundo, personalidades que nos causam desconforto. São diferentes e não necessariamente estranhas. E dentre as verdadeiramente estranhas destacam-se as perigosas as quais, infelizmente, tem proliferado nos últimos tempos.