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Pelé, 70 anos
De vez em quando me ponho a pensar sobre os fatos mais marcantes acontecidos durante o período de minha vida. Um dos primeiros foi o assassinato de John Kennedy, na época em que eu iniciava aquele que então era chamado de curso ginasial. Lembro-me de que fomos dispensados das aulas e saímos da escola com a ideia de que algo muito grande tinha acontecido. Para nós era como se o mundo fosse acabar dado que não fazíamos a menor ideia da proporção, nem mesmo dos reflexos que poderia ter a morte de Kennedy sobre as nossas vidas.
Ainda hoje acho que o impacto sobre nós do assassinato ocorrido em Dallas prende-se mais à gravidade das palavras do diretor da escola quando ele nos comunicou que o mundo corria perigo. Era uma tarde fria e o ginásio estadual em que estudávamos ficava no alto de uma elevação à qual se chegava por ruas íngremes. Suspensas as aulas, descemos por aquelas ruas, uma turba de alunos em silêncio, avisados sobre um acontecimento muito grave e esperando, talvez, pelo pior que poderia acontecer ao mundo.
Outro fato muito marcante ocorreu antes da morte de Kennedy: foi a conquista do Campeonato Mundial, realizado na Suécia, pelo Brasil. Menino, eu ouvia dos meus parentes mais velhos inúmeras histórias sobre o futebol que sempre terminavam com comentários sobre a Copa de 50 quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai em pleno Maracanã. Um primo de meu pai, o Vicente, assistiu ao jogo no estádio, e contava inúmeras histórias sobre o episódio fatídico. Nomes como os de Obdulio Varela Gigghia , carrascos dos brasileiros na vitória uruguaia, eram moeda comum em todas as conversas. Falava-se sobre a desastrosa atuação de Bigode, se o goleiro Barbosa poderia ter evitado o segundo gol uruguaio, a cabeçada de Ademir que bateu na trave uruguaia no último minuto, o erro do técnico Flávio Costa que preferiu levar um parente dele, o Chico, para jogar na ponta-esquerda da seleção, e assim por diante. A essas histórias se juntavam as da Copa de 54 quando o Brasil foi derrotado pelo excepcional selecionado da Hungria, aquele em que jogava Puskas, que no final das contas perdeu a Copa para a Alemanha. Nomes como os de Castilho, Bauer e Humberto, jogadores da seleção de 54, eram sempre citados.
Por fim veio 58, o ano da redenção do futebol brasileiro. Entre outros significados a Copa de 58 serviu para ajudar a vencer, pelo menos em parte, o complexo de inferioridade terceiro-mundista do povo brasileiro. Ganháramos, éramos melhores que os outros em alguma coisa e o país estava indo para frente. Mas, 58 foi também o ano em que Pelé nasceu para o Brasil e para o mundo. De repente, um garoto de 18 anos de idade, sem a menor cerimônia, estraçalhava com os ferrolhos europeus e mostrava que o Brasil tem gente capaz. Os jogos transmitidos pelo rádio pela voz de Pedro Luís e Edson Leite gravaram-se nas memórias como documento e testemunho de uma época em que, inesperadamente, um povo sofrido tornou-se feliz.
Falando sobre fatos marcantes que muito me impressionaram, devo dizer que tive a sorte de viver na época em Pelé jogou futebol. Muitas vezes eu o vi jogar no Pacaembu que, na época, era muito utilizado pelo time dele, o Santos. Seria impossível traduzir em palavras as maravilhas que saíram dos pés de Pelé, certamente um agraciado dos deuses. Note-se que quando se fala de Pelé, no futebol, em geral destacam-se os seus gols, jogadas brilhantes e mesmo exaltam-se os seus dotes físicos invejáveis, certamente propulsores de toda a magia de que ele era capaz. De todo modo era isso e mais que isso porque vê-lo em campo, sua colocação e inteligência nata para o esporte, as previsões de jogadas, enfim o que fazia mesmo quando não estava com a bola, era simplesmente demais.
Ter visto Pelé jogar terá sido um dos prêmios que recebi e levarei desse mundo. Ter sentido a emoção de vê-lo no momento de suas realizações em campo é dessas coisas que não tem preço, fantásticas e insubstituíveis.
Pelé completa 70 anos de idade e recebe homenagens, mais que merecidas, em todo o mundo. Creio não ser demais dizer, em meu nome e da minha geração, muito obrigado Pelé. Você nos deu muita alegria, fez-nos acreditar que tudo é possível. No mais é fechar os olhos e retornar a uma noite de quarta-feira, Pacaembu lotado, e rever Pelé pegar uma bola no meio do campo, avançar driblando, até chegar perto do gol e colocar a bola nas redes. Depois, enquanto o Deus comemora, toda a torcida fica em pé, mesmo a do time adversário, batendo palmas, essas palmas que nunca sairão da minha cabeça, porque magia é para sempre.