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Há 50 anos
Era o dia 08 de dezembro de 1967. Naquele ano eu terminava o Curso Colegial, atual Ensino Médio, e encaminhava-me para o exame vestibular. A meta era estudar no Rio. Um mês antes fizera a minha inscrição para as provas. Então viera ao Rio no trem noturno da Central do Brasil. Esse trem passava em Taubaté à meia-noite. Viajei no banco de madeira da segunda classe porque a passagem nesse vagão era mais barata. Mas, o trem não seguia direto ao Rio: em Lorena ficava parado por quase três horas, esperando o trem de aço que vinha do Rio. Só depois da passagem do aço tínhamos a linha livre para seguir adiante. De todo modo desembarquei na manhã seguinte, na estação D. Predo II e fui providenciar a minha inscrição.
Um mês depois, na véspera do vestibular, fui, em companha de um amigo, ao CTA de São José dos Campos. Ali falamos com um sargento sobre nosso interesse em seguir para o Rio num dos aviões do Correio Aéreo nacional - CAN. O sargento nos disse que caso houvessem assentos livres poderíamos embaraçar.
O avião do CAN não era jato. Remanescente da Segunda Guerra fora adquirido pelo governo e servia ao transporte de cargas e correspondência. Não haviam assentos como em aviões usados por passageiros: de cada lado uma fileira de lugares onde quem viajava se prendia com os cintos. Certamente ali haviam se sentado soldados durante as batalhas, paraquedistas, etc.
Não demorou mais que uma hora para que chegássemos ao Rio. O barulho do motor era ensurdecedor. Desembarcaríamos no Aeroporto de Santos Dumont. Entretanto, quando nos aproximávamos do aeroporto o piloto foi avisado de que a pista estava interditada. A ordem era a de aguardar até que a desinterdição acontecesse.
Foi nesse dia que experimentei uma das mais belas impressões visuais de toda a minha vida. Para fazer hora o avião sobrevoou, demoradamente, o Rio. Tal o encanto das belezas naturais da cidade que não havia como não se comover. Até hoje guardo lembranças de minhas primeiras impressões de estar sobre o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor. O Rio era mesmo a “cidade maravilhosa”.
Mais tarde soubemos a razão da interdição do aeroporto. Naquela manhã o presidente Arthur da Costa e Silva e 23 membros de sua comitiva escaparam sem ferimentos de acidente com o avião presidencial no aeroporto de Santos Dumont. O “Viscount” procedente de Brasília perdeu altura e tocou bruscamente o solo do aeroporto. O impacto fez ceder o trem de pouso e o avião arrastou-se, “de barriga”, na pista. A asa direita chocou-se com o solo e um dos quatro motores pegou fogo.
São passados exatamente 50 anos desde a ocorrência desses fatos. Não fiz faculdade no Rio. Costa e Silva seguiu no governo. Um ano depois seria baixado, ainda em seu governo, o AI-5, considerado como a mais bem acabada expressão da ditadura brasileira.
Há 50 anos
Exatamente há 50 anos, no dia 06 de abril de 1967, o Coronel Fontenelle foi demitido da diretoria de trânsito na cidade de São Paulo. Designado para o cargo pelo então governador Abreu Sodré Fontenelle permaneceu no comando do trânsito apenas 57 dias. Mas, aquilo foi o diabo.
Controverso, irreverente, determinado, gênio, maluco, violento, Fontenelle era adjetivado de muitas maneiras pela população. Seu norte era botar ordem no trânsito caótico da cidade. Com suas medidas a cidade iria pegar fogo, dizia. Sabia ser violento, afirmava. E não era sujeito de ficar atrás da mesa. Saia às ruas, fechava estacionamentos irregulares, esvaziava pneus de carros estacionados irregularmente. Odiava filas duplas etc. O carioca Fontenelle era o cão.
Fontenelle desativou a estação Júlio Prestes, ponto de convergência dos ônibus que chegavam à cidade. Os ônibus foram remanejados para 4 pontos diferentes conforme a rodovia que utilizavam. As agências de venda de passagem ficavam na rua, em casinhas de madeira. Foi o caos.
Naquele Brasil de 1967 a ousadia de Fontenelle era inaceitável. A imprensa paulista batia duro no diretor de trânsito. Daí que não pode durar no cargo. Demitido, a cidade respirou.
É difícil ou até impossível reconstruir o passado. Dar vida a um momento, animar as personagens de um tempo que se foi é tarefa complexa mesmo para quem presenciou a evolução dos fatos. Ao tempo de Fontenelle no trânsito eu era um rapazote que morava em casa de um tio. A toda manhã meu tio praticamente enlouquecia com um exemplar de jornal nas mãos. Perguntava por que o governador biônico do Estado não demitia aquele louco. Era inaceitável que uma pretensa autoridade esvaziasse pneus nas ruas, infringindo a lei. E isso publicamente, sem punição. Afora o péssimo exemplo para a nova geração que se formava.
Mas, havia quem concordasse com Fontenelle. Eu não tinha noção de como resolver o problema do trânsito na capital, mas simpatizava com aquele transgressor de normas numa época em que o país era governado por uma ditadura militar. Mas, o ano era 1967 e ainda não chegáramos a 1968 quando o AI-5 seria decretado, restringindo as liberdades. Iniciava-se o período de exceção no qual os governantes podiam punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. Mas isso já é outra história.
Ontem e hoje
Gosto muito de ler o cantinho de jornal cujo título é “Há 50 anos”. Hoje se divulga que a principal notícia do dia 20 de agosto de 1962 era a de inundações na Colômbia decorrentes de aumento do volume de água dos rios. Mortos, desabrigados e perdas materiais compunham o triste quadro da tragédia colombiana.
Há quem diga que o passado não serve para nada, que a história pregressa não tem utilidade para a interpretação dos fatos do presente. Conheço um professor universitário que, curiosamente, nega qualquer valor ao passado. Para que perder tempo com fatos que não voltam mais? – pergunta ele. E ele é justamente um professor de História. Eis aí um rebelde inconformado, talvez com o próprio ofício.
O que me atrai nas notícias do passado é a possibilidade de pensar um pouco sobre o modo de vida da época comparando-o com o presente. Assim, as notícias sobre as inundações colombianas me devolveram o ano de 1962 quando eu era apenas um rapazinho preocupado com o rumo que daria à minha vida. De todo modo, 1962 foi um ano inesquecível, bastando lembrar que nós, os brasileiros de então, estávamos ligadíssimos na Copa do Mundo realizada no Chile. O Brasil voltou de lá com o título de bicampeão mundial e foi uma grande festa. Pelé havia se machucado logo no início da Copa, mas Garrincha brilhara destruindo as defesas adversárias com seus dribles impossíveis. Aquela grande seleção de futebol fez história em nosso país atrasado, imerso em dívidas e que, sem que se suspeitasse, caminhava em direção ao golpe que inauguraria o período de ditadura militar em 1964.
Mas, 1962 também foi o ano daquela tremenda encrenca entre os dois polos da Guerra Fria que dominavam o mundo na época. Em 1961 os EUA tinham instalado mísseis na Turquia fato que despertou a reação russa de instalar mísseis em Cuba. A proximidade com os EUA e a possibilidade de ataque a cidades americanas provocaram a reação do presidente John Kennedy que exigiu a retirada dos mísseis. O mundo tremeu diante do perigo de uma guerra nuclear que repetiria, em muito maior extensão, a tragédia de Hiroshima. Acordo entre Kennedy e o primeiro ministro russo Nikita Krushov colocou fim ao impasse, mas a Guerra Fria só terminaria muito mais tarde com a queda do Muro de Berlim.
De 1962 também importa aos brasileiros a grande vitória do filme “O Pagador de Promessas” o qual venceu o Festival de Cannes. Anselmo Duarte, o diretor do filme, voltou com a Palma de Ouro e o interessante é que eu o conheci algum tempo depois. Morava eu em Itu, interior de São Paulo, terra do Anselmo, e era colega da filha dele no colégio local. Certo dia fui à casa dela por conta de um trabalho escolar e lá estava o grande Anselmo com quem não troquei mais que “boa tarde”.
Decorridos 50 anos aqui estamos, neste ano de 2012, que já avança em pleno segundo semestre. É verdade que o Brasil está muito melhor que aquele país de 1962. Entretanto, as notícias que nos acompanham diariamente não são animadoras. A violência desmedida e o julgamento do mensalão não passam de sinalizadores de uma época à qual falta alegria. O futebol, esporte de preferência nacional, passa por momento de pouco brilho. Já não existem grandes craques capazes de apaixonar as multidões. Mas, o pior, é que se vive sob o império da desconfiança. Entretanto, há que se torcer e confiar no futuro, afinal trata-se de tempo novo e aberto a todas as possibilidades, quem sabe a uma rodada de bons acontecimentos, por que não?