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Fantasmas
Há quem acredite na existência de fantasmas. Para muita gente almas do outro mundo andam por aí, assombrando pessoas. Muita gente tem medo de fantasmas. Confesso que já tive. A casa de minha avó tinha fama de mal assombrada. Dizia-se que ao tempo da escravidão houve escravo que morreu lá depois de sofrimentos. Um desses habitava o “quartinho do meio” onde ninguém gostava de dormir. Consta que o negro escravo costumava, vez ou outra, aparecer por lá.
Mas, o grande problema da casa de minha avó era a sala que, que em tempos normais, servia a reuniões e recepção de convidados. Entretanto, ali também se velavam os mortos da família. De modo que quando a parentada aparecia sempre sobrava para alguém dormir na sala. O medo de que um dos desencarnados resolvesse dar uma passada por lá era real.
Outro dia me peguei pensando se hoje, quando já não acredito em fantasmas, teria medo de passar uma noite sozinho naquela sala. Ainda bem que a casa já não existe, demolida que foi e substituída por um prédio de apartamentos.
Sobre almas do outro mundo há histórias e histórias. Uma delas é a de um conhecido, morador do interior, que rotineiramente ia a São Paulo. Nessas ocasiões hospedava-se em casa de um tio. Numa dessas vezes chegara tarde da noite e entrara na casa. Fora até a cozinha, servira-se de água e, depois, subira pela escada até o quarto. Ao acender a luz topara com um parente dormindo na cama ao lado. Então cumprimentara o parente que lhe respondera com um aceno. Já deitara quando se lembrou de que aquele parente morrera já a alguns anos. Em desespero saíra da casa, descendo atropeladamente pela escada. Passara a noite fora, no jardim, assustado.
Verdade? Segundo quem relatou o caso pura verdade. Mas, será mesmo que almas do outro mundo andam por ai, aterrorizando mortais desprevenidos?
Mona Lisa
Um parente dizia que o maior inimigo dos fantasmas é a luz elétrica. De fato no mundo iluminado de hoje parece que os fantasmas ficaram tímidos e não dão as caras.
Na minha infância o mundo era mais escuro. Morando em cidadezinha do interior tínhamos fornecimento deficiente de energia elétrica. Eram comuns as tais quedas de fase que por vezes persistiam por longos períodos. Acresça-se a isso as lâmpadas fracas que conferiam aos ambientes aquele clima de velórios.
Nas casas de antes os fantasmas aproveitavam-se do escuro, ficando à espreita de incautos e, principalmente, de crianças temerosas. Histórias de medo eram contadas e repetidas numa época em que as pessoas reuniam-se para longas conversas após o jantar - tudo muito diferente de hoje quando a TV e outros eletrônicos tornaram os papos furados quase desnecessários.
Em menino eu tinha medo de almas do outro mundo. Para mim se alguém morria imediatamente passava a fazer parte do exército dos fantasmas, dedicando-se a assombrar os pobres vivos que ficaram no mundo. Claro que também temia vampiros, lobisomens e outros seres fantásticos sobre os quais corriam narrativas de terem sido vistos por alguém nas redondezas. O fato é que seu sempre colocava alguns dentes de alho na janela do meu quarto de vez que, como se sabe, o alho afugenta vampiros. Crucifixos também.
Certas imagens me provocavam muito medo. Certa vez vi, pela primeira vez, uma fotografia da Mona Lisa do Leonardo da Vinci. Pois passei a ter medo daquele rosto com o sorriso enigmático que me parecia coisa do outro mundo. Quantas vezes, na cama e no escuro do meu quarto, eu pensava naquele rosto e temia que, de repente, ele surgisse em carne e osso pertinho de mim.
Agora leio que os cientistas acabam de descobrir o mistério do sorriso da Mona Lisa: a boca pode mudar de acordo com o ângulo em que é vista. A impressão de que a Mona esteja sorrindo muda quando olhamos diretamente para a boca: o sorriso parece inclinar-se para baixo, mudando o formato da boca.
Essa descoberta de cientistas britânicos surge para esclarecer a razão do meu medo em relação à Mona Lisa. Era do estranho sorriso e da boca que parecia mudar de forma que eu tinha medo. Para mim Mona Lisa estava viva no quadro, tanto que sua expressão mudava dependendo do ângulo em que a olhava. Talvez ela fosse uma dessas mulheres condenadas a viver prisioneiras na tela de um quadro, vítima de algum feitiço grande. Claro que eu não tinha noção de que Leonardo tivesse usado técnica especial para chegar a esse incrível efeito, aliás, nem mesmo que o efeito existisse.
A Mona Lisa que eu via quando criança tinha um sorriso estranho, coisa do outro mundo. A imagem dela se encaixava às maravilhas ao ambiente tão propício a histórias de medo que corriam ao tempo da minha infância.
Gato diabólico
Eu morria de medo, mas adorava ouvir histórias assombrosas em meus tempos de menino. Meu pai contava que meu avô fora homem de coragem e aceitara o desafio de passar uma noite numa casa abandonada de fazenda que se dizia ser assombrada. Nos tempos da escravidão ali morara um fazendeiro muito cruel com seus escravos, muitos deles tendo morrido no local devido aos sofrimentos impostos. Depois da morte do fazendeiro e abolida a escravidão a casa deixou de ser utilizada por ser impossível ficar nela, daí a fama que tinha de lugar pertencente aos mortos no qual nenhum vivo deveria se intrometer.
Lembro-me perfeitamente dos silêncios em meio à narrativa de meu pai, acossando ainda mais a curiosidade dos ouvintes que queriam saber o que, afinal, acontecera ao meu avô na noite que passara na casa. Mas, o final da história não era lá dos mais aterrorizantes. Aconteceu ao meu avô não conseguir pegar no sono de jeito nenhum. Não havendo luz elétrica e ficando na dependência da chama de uma vela, meu avô enfrentou situação peculiar na qual não faltaram ruídos estranhos semelhantes aos de correntes sendo arrastadas. Seriam, talvez, as almas penadas dos negros ali torturados que permaneciam ligados ao lugar de seus sofrimentos. O certo é que foi tamanha a balbúrdia noturna na casa deserta que antes do raiar do dia meu avô decidiu que já se arriscara o suficiente num lugar tomado por acontecimentos inexplicáveis. Segundo meu pai, meu avô afirmou não ter em nenhum momento sentido medo: saiu da casa por prezar sua segurança pessoal dada qualquer impossibilidade de reação caso uma força do outro mundo viesse a afrontá-lo.
No passado os corpos de pessoas mortas eram velados em suas casas, sendo incomum a existência de velórios em cemitérios. Deve ainda ser assim nos interiores desse imenso Brasil. O caixão era colocado no centro da sala e ali permanecia até a hora de saída do enterro, em geral no dia seguinte. Na casa de minha avó, construção antiga hoje substituída por um prédio, havia uma sala enorme que servia a todas as comemorações da família. Mas, ali também se velavam os mortos. Depois, como a família era grande, em geral sobrava para alguém dormir naquela sala, cercado por um biombo que garantia a privacidade. Vi tanta gente dentro de caixões ali que não se ainda hoje, se a casa ainda existisse, gostaria de dormir nela: não seria impossível que durante a madrugada no cérebro do homem que me tornei de repente revivesse o menino temeroso de algum encontro com almas do outro mundo.
Hoje em dia não se fala muito no demônio e o cinema banalizou demais a imagem de Mefistófeles. Crianças habituam-se a demônios com chifres em desenhos animados e não levam a sério o ser do mal cuja missão é atrair os pecadores para o fogo do inferno. Mas, há quem tema as ações do demônio, acreditando que ele possa assenhorar-se de corpos de pessoas e animais. Em muitos credos a prática de exorcismo é comum, vejam-se programas televisivos de algumas religiões nos quais pastores se empenham para livrar pessoas dos demônios que afirmam ter possuído seus corpos.
Está acontecendo num lugarejo da Inglaterra um fato inusitado. De fato, as pessoas do lugar estão atribuindo ao estranho comportamento de um gato características diabólicas. Shiny -assim se chama o diabólico felino – é acusado de ter atacado crianças, adultos e até cachorros. As vítimas assustadas trancam as portas de suas casas e se armam com mangueiras para se defender em caso de ataque do terrível Shiny. Mordidas numa senhora de 90 anos, ataque a uma mulher causando ferimentos que necessitaram de atendimento hospitalar e outras atitudes violentas do gato têm provocado vários chamados à polícia.
Os donos de Shiny afirmam que ele vive na rua e ficou bem manso depois de ser castrado. Acreditam, ainda, que as pessoas atacadas tenham feito algo que provocou a reação do gato. Mas, para a população do vilarejo Shiny não é um gato normal, trata-se de um animal diabólico, sabe-se lá por que razão, talvez por ter incorporado algum espírito maligno.
As novas histórias de medo
Meu tio-avô era um sujeito espigado e muito falante. Vinha ele das beiradas do Estado de Minas que percorreu em lombo de cavalo. Mais que cavaleiro, meu tio-avô assemelhava-se a um tropeiro.
Homens assim vivem noutra dimensão, numa região de serras, campos e matas. Eles dormem nas beiras das estradas poeirentas, isso quando não se aboletam num cômodo qualquer da casa de um fazendeiro amigo. Nesse mundo vigoram relações fortes, sejam de amizade ou ódios que jamais cessam. Em meio a encontros e desencontros existe sempre o revólver na cintura ou bem guardado num surrado embornal. Pode acontecer que a arma de fogo permaneça quieta durante muito tempo ou nunca seja usada. Entretanto, o que importa é o fato de ela estar presente, fazer parte de um leque de possibilidades dentre as quais a morte surge como variante bastante lógica.
Homens da estirpe do meu tio-avô viram de tudo e trazem consigo um tipo de sabedoria que só a experiência pode conferir. Tal sabedoria se revela através de intermináveis histórias que contam, muitas delas de arrepiar os cabelos.
Quando menino, ouvi muitos casos de medo contados pelo meu tio-avô. Tinha ele o dom do contador de histórias nato cujas inflexões de voz e ritmos de narrativas guardam a surpresa para o final, prendendo os ouvintes com idas e vindas, como se faz nas novelas de hoje. Foi assim que me inteirei, desde pequeno, a respeito do sobrenatural e fui iniciado nas agruras do gênero fantástico, sem me dar conta de que avançava num caminho sem volta.
O fato é que nunca mais abandonei as histórias de medo. Das narrativas de meu tio-avô parti para os contos fantásticos, lendo Poe, Maupassant e tantos outros. Paralelamente, vieram os filmes de horror como os estrelados por Bela Lugosi, Boris Karloff, Peter Cushing, isso para ficar só nos mais antigos.
Com tal histórico pessoal e alguma vivência no gênero sinto-me bem à vontade para reclamar das atuais tendências adotadas pelos criadores de histórias de horror. Deixando de lado os que produzem boa literatura de horror – Stephen King e Clive Baker são dois deles – o que se encontra é uma nova forma de narrativas, mais idílicas nas quais tradicionais seres do mal se dão os desfrute de parecerem bonzinhos. Creio que os livros “Lua Nova” e “Crepúsculo” com os respectivos filmes que se fizeram sobre eles ilustrem bem a nova forma de terror que, aliás, nada têm a ver com as verdadeiras histórias de medo.
Quanto aos filmes atualmente produzidos destaque-se o abuso de efeitos especiais cuja intenção é colorir as telas com sangue e conferir grandiosidade aos sustos. A rapidez com que seres humanos se transformam em lobisomens, vampiros e outros seres, o modo como lutam entre si utilizando artes marciais, tudo isso dificilmente se enquadra nas premissas que conferem qualidade ao gênero fantástico.
De meu tio-avô não se pode dizer que tivesse ilustração. As histórias que contava vinham de gerações anteriores e continham o genuíno molho dos verdadeiros contos de horror. Parece-me que esse “molho” se perdeu com o tempo, dando origem a uma nova forma de horror que, na verdade não convence. Infelizmente o horror deturpado atualmente corre solto por aí privando os não iniciados no gênero fantástico de emoções insubstituíveis.