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O pai do Gabrielzinho
O Gabriel era meu colega no terceiro ano do curso primário. Moleque pequeno e de boa índole era chamado de Gabrielzinho. Brincávamos depois da escola até que a mãe dele aparecia para chamá-lo à casa. Era uma vida simples, repetitiva, mas alegre, moldada ao gosto de crianças que se divertiam com quase nada de brinquedos. Bolas de gude e estilingues eram as “armas” da patota.
Certa manhã apareceu no Largo de São Benedito um homem que fora arrastado pelo cavalo. Morrera no caminho, pé preso ao estribo. O cavalo fizera a parte dele, voltando e trazendo o dono para casa.
O homem ensanguentado e de corpo ralado ficou no largo durante algum tempo. Corri para lá logo que soube do acontecido e finquei os olhos no cavalo o qual, então, me pareceu do outro mundo ligado que estava a uma tragédia.
O homem ralado e ensanguentado, também morto, era o pai do Gabrielzinho. Depois se soube que ele bebera muito no Bar do Gato, tanto que não se equilibrara sobre o cavalo. Olhe que antes de fechar o Gato oferecera pouso a ele que, embriagado, recusara.
Não era da sorte do homem dormir na casa do Gato, nem era o caso de não cair e morrer enquanto arrastado pelo cavalo. Talvez por isso, questão de sorte, tenha morrido, assim falaram as mulheres durante o velório.
No fim do ano a mãe do Gabrielzinho mudou-se. Foi viver perto da gente dela, a viúva, num lugarejo próximo. Mas, nunca mais vi o Gabrielzinho. Dele restou-me essa história curta que já contei tantas vezes, cada uma delas de um jeito, mas sempre em torno da tragédia da morte do pai.
Talvez eu sempre repita a história porque me parece que o cavalo continue a fazer o mesmo percurso a cada noite. O Gato fecha o bar, o homem se recusa a dormir na casa do Gato, o cavalo arrasta o bêbado que chega de manhã ao Largo de São Benedito, ralado, ensanguentado e morto.
Talvez só eu me lembre dessa história e também por isso tenha recebido a missão de conta-la a cada vez que me lembro do cavalo avançando nas sombras, arrastando o cadáver até o largo de São Benedito.