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A profundidade da intolerância
Quando nos sentimos experientes e achamos que já vimos de tudo sempre surge um novo fato para demonstrar o quanto temos ainda a aprender sobre o comportamento humano.
Diariamente somos atingidos por notícias sobre atos que beiram a insanidade. Crimes hediondos se repetem, muitos deles motivados pela intolerância. Mendigos queimados ou mortos a pauladas e agressões a índios, negros e homossexuais são acontecimentos rotineiros que nos revoltam e fazem-nos pensar. O homem ataca o homem movido por diferenças de raça, divergências ideológicas e muitas outras razões. Pelas ruas das cidades circulam tribos movidas por ideários extremistas e de exceção, sendo que a maioria dos seus membros não tem noção clara sobre a razão do seu comportamento. Velhas e desgastadas bandeiras como a do nazismo ou “morte aos burgueses” servem apenas para justificar ações violentas e sem sentido.
Mas, não são só eles. Nesses dias o governo britânico empenha-se em se desculpar e recuperar um famoso matemático que foi vítima de intolerância em seu país. Trata-se de Alan Turing, considerado o pai da informática moderna. Durante a Segunda guerra Mundial Turing decifrou os códigos encriptados do exército alemão e graças a ele, milhares de vidas foram poupadas.
O problema? Ora, Alan Turing era gay. Por esse motivo foi julgado, em 1952, acusado de ultraje à moral pública. Condenado, restou a ele escolher entre a prisão ou tomar injeções de hormônios que o “curariam”.
Turing escolheu a segunda opção, seu corpo deformou-se e, dois anos depois suicidou-se.
Agora Gordon Brown, primeiro-ministro britânico desculpa-se oficialmente dizendo que Turing “foi um desses personagens aos quais se pode atribuir uma importância única porque mudou o destino da guerra. Gordon acrescentou: “a dívida que temos com ele faz tudo isso mais horrível. De parte do governo britânico e de todos aqueles que hoje vivem em liberdade graças às ações de Alan, quero dizer que sentimos muito. Ele merecia algo de melhor”.
Aí está. A revisão é feita cinqüenta e cinco anos depois. De Alan Turing restaram a triste memória de seu processo, a fantástica máquina conhecida como Turing Universal Machine, que possibilitava calcular qualquer número e função, de acordo com instruções apropriadas e a quebra do código das comunicações alemãs, produzido por um tipo de computador chamado Enigma.
No momento em que escrevo esse texto num computador devo muito desta possibilidade ao trabalho precursor de Alan Turing. E penso que desculpas posteriores podem ser úteis, mas de nada servem ao sofrimento de quem foi levado à morte pela preconceito de uma sociedade à qual serviu como poucos.
Alan Turing, cientista e gênio matemático, a humanidade toda deve muito a você e talvez seja muito tarde para pedir-lhe desculpas.
Oscar Wilde
O fato é que o escritor e dramaturgo Oscar Wilde (1854-1900) é mais citado pelas suas preferências sexuais que pela obra que deixou. Isso pode causar alguma surpresa nos leitores de hoje, habituados a existência de megaeventos como a Parada do Orgulho Gay e casamentos entre homossexuais.
Wilde notabilizou-se pela sua carreira na qual seus romances, peças de teatro, polêmicas e as resenhas de livros misturavam-se com altas doses de extravagâncias. Seu incontestável sucesso granjeou-lhe projeção e prosperidade. Em suas biografias há insistência sobre o fato de ele possuir família constituída e ao mesmo tempo ser um dândi: gastava horas cuidando da aparência e, para delírio dos cartunistas, usava roupas e gravatas extravagantes e tirava fotos em poses lânguidas.
Embora estranha, a modernidade de Wilde foi razoavelmente tolerada durante a época vitoriana do Império Britânico. Sua prosperidade perdurou até o seu envolvimento amoroso um jovem chamado Alfred Douglas, conhecido como Bosie. Wilde apaixonou-se por Bosie um jovem encantador, mas inescrupuloso e egoísta. Recorde-se que, na época as relações entre homens eram consideradas criminosas em alguns países. Na reforma do Código Penal da Inglaterra, a partir de 1885 a sodomia entre homens tornou-se passível de pena de dois anos de prisão com trabalhos forçados.
Um desentendimento entre Wilde e o pai de Bosie deu início a um processo no qual Wilde foi condenado e preso. Suas peças foram retiradas de cartaz: de escritor celebrado Wilde passou à condição de criminoso. Era o revide do puritanismo vitoriano tão atacado por Wilde. A imagem de “criminoso pervertido” veiculada pela imprensa não se separaria de Wilde até a sua morte.
Existem críticos ferozes que abominam toda a obra de Wilde. Entretanto, a leitura do romance “O Retrato de Dorian Gray” continua a ser obrigatória para os amantes da boa literatura. O livro pode ser encontrado em livrarias e às vezes aparece entre as séries vendidas nas bancas de jornal.
No prefácio de “O Retrato de Dorian Gray” há uma frase de Wilde que define bem o seu posicionamento em relação à arte:
“Um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos”.