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Nem só as crianças têm medo
Howard Phillips Lovecraft (1890-1937), escritor norte-americano, é um mestre das histórias de horror. Ele jamais escreveu histórias que não as de horror. Em suas narrativas aparecem imagens do subconsciente e há a utilização de símbolos relacionados a monstros e divindades ancestrais.
Segundo Lovecraft a mais forte e mais antiga emoção do homem é o medo e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido. Para ele as histórias de horror sempre existiram e existirão porque,
“as crianças sempre terão medo do escuro, os homens de mente sensível ao impulso hereditário sempre tremerão ao pensamento de mundos ocultos e insondáveis de vida diferente que quem sabe pulsam nos abismos além das estrelas ou sinistramente oprimem o nosso próprio globo em dimensões perversas que somente os mortos e os dementes podem vislumbrar”.
Sempre fui um aficionado das histórias de horror, aquelas que começam com uma situação mais ou menos banal e evoluem para uma atmosfera sufocante, realmente irrespirável e desafiando a lógica comum. Em síntese, histórias que incorporam o sobrenatural ao cotidiano. São exemplos desse tipo de narrativa os romances de Lovecraft e os contos de Edgar Allan Poe (1809-1849). Diferentes deles são certas histórias que abusam do expediente macabro baseando-se mais na surpresa e no susto. Infelizmente, nos últimos anos o cinema tem produzido obras dessa natureza com o uso abusivo de clichês cuja única intenção é a de asssustar através de exageros pictóricos, imagens deformadas e situações macabras. Trata-se de um horror sem inteligência cujo maior intuito é estimular sensações semelhantes às experimentadas em situações de perigo real. Portas que se abrem de repente, mulheres que acordam durante a noite e andam em ambientes escuros, monstros de todos os tipos, pesadelos que se tornam reais, existe toda uma parafernália de métodos impactantes com a função de levar o espectador ao grito diante de algo que se figura a ele insuportável.
Por que escrevo sobre isso? Em primeiro lugar para lembrar aos leitores que existem nas livrarias excelentes obras de literatura de horror que merecem ser lidas. Em segundo porque noite dessas ouvi um professor de filosofia falar, num programa de televisão, sobre a relação entre o escuro e o medo. Se bem entendi a colocação do professor, para ele no mundo menos iluminado do passado existiria mais medo que no mundo atual.
Não sei se isso está correto. A piada sobre o fato de que a luz elétrica reduziu a atividade dos fantasmas tem lá o seu sentido e graça. Entretanto, o verdadeiro horror prescinde do escuro embora este o acentue. Situações fantasmagóricas podem muito bem acontecer às claras. Excluída a possibilidade de ladrões, quem não se incomoda com ruídos estranhos e inexplicáveis dentro de casa a qualquer hora do dia ou da noite? Objetos que caem sem que alguém os toque não causam arrepios? E as portas que batem, aparentemente sem a ação do vento? Os relógios que despertam de madrugada sem que tenham sido programados para isso? E os aparelhos eletrônicos que ligam sozinhos, de repente? Que dizer de pressentimentos que se confirmam? E sobre os sonhos da morte de pessoas que acaba acontecendo?
Quanto a mim, fico com a famosa frase: não creio em fantasmas, mas que eles existem, existem. Quando menino passava férias na casa antiga de minha avó, imóvel rico em histórias sobre as gerações de moradores que ali precederam a minha família. A maioria dos antigos moradores morreu naquela casa e foi velada na grande sala onde, anos depois, nos reuníamos após o jantar. Esses mortos estiveram presentes na minha infância e, ainda menino, tive medo deles. Certa ocasião, decorridos muitos anos e sendo eu já adulto, retornei àquela casa e dormi em um de seus quartos. Embora eu já não acreditasse em fantasmas, não posso dizer que dormi sossegado. Se bem me lembro, naquela noite eu me esqueci de apagar a luz do abajur…
A velha casa de minha avó foi derrubada por uma incorporadora que usou o terreno para construir um prédio de apartamentos. Muita gente mora nesse prédio e não há notícias de que os falecidos moradores tenham perturbado o sossego de ninguém.