Arquivo para ‘ilhas de Jersey’ tag
Memórias publicadas após a morte
Entre os políticos em atividade no Brasil nos últimos 30 anos talvez não exista figura mais controvertida que a de Paulo Salim Maluf. Amado e odiado, o filho de ricos libaneses representa para um enorme número de pessoas o que há de pior em se tratando de homem público. Com isso não concorda boa parcela do eleitorado de São Paulo que permanece fiel a ele, distinguindo-o com expressivas votações, mesmo após os inúmeros escândalos em que esteve envolvido. Comprova esse fato a eleição de Maluf para o cargo de deputado federal, em 2006, tendo sido o deputado mais votado em todo o Brasil.
Se o leitor tiver a curiosidade de digitar o nome de Paulo Salim Maluf na Wikipedia ficará desnorteado com a impressionante atividade pública desse homem que foi prefeito de São Paulo duas vezes, governador do Estado de São Paulo, deputado federal, duas vezes candidato derrotado à presidência da República, presidente da Associação Comercial de São Paulo etc. Não se pode negar a ele combatividade e produtividade: durante os seus governos concretizaram-se inúmeras obras viárias na cidade de São Paulo, isso para ficar no mínimo no tocante às suas realizações. Por outro lado, Maluf é acusado de corrupção sendo que contra ele ainda hoje existem vários processos nas esferas estadual e federal. Entre outras, a justiça brasileira o acusa de ter vultosa conta no paraíso fiscal das ilhas de Jersey. Além disso, Maluf esteve preso em 2005, acusado de intimidar testemunhas.
Homem de grande inteligência e conhecido por sua excelente memória Maluf surge para parte do público como uma espécie de “mal incontornável”. O fato é que ele nunca se dá por achado e em geral atribuem a ele grande “cara de pau”.
Pois é esse homem que agora revela que está escrevendo um livro de memórias, talvez uma biografia. Ele adianta que revelará os bastidores da eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da República, em 1984, e os da aprovação, em 1997, pelo Congresso da emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique para o seu segundo mandato na presidência da República.
Detalhe: Maluf avisa que as memórias só serão publicadas após a sua morte. Note-se que ele privou do convívio de quase toda a classe política ao tempo em que atuou e, obviamente, sabe muito. Talvez por isso – e para se livrar de compromissos a que está obrigado em vida – deixe aos cuidados de seus sucessores a publicação das suas memórias. Nesse caso, que se acautelem os homens públicos.
Em todo caso é preciso saber o que Maluf entende por “após a morte”. Será logo após? Ou ele estabelecerá um prazo para a publicação, salvaguardando os interesses dos vivos?
Existe no passado do país um caso interessante sobre publicação de memórias após a morte. Trata-se do livro escrito por Medeiros e Albuquerque cujo título é “Quando eu era vivo”. Medeiros foi poeta, romancista, jornalista, professor, membro da Academia Brasileira de Letras e político atuante. Pouco antes de morrer, Medeiros entregou aos seus filhos os originais de suas memórias com a expressa recomendação de que só fossem publicadas em 1942. Acreditava o escritor que nesse ano a maioria das pessoas citadas estaria já morta. Medeiros morreu em 1934 e seus herdeiros só publicaram o livro em 42, obedecendo às recomendações recebidas.
“Quando eu era vivo” é livro hoje encontrado apenas em sebos. Trata-se de um trabalho interessante e que vale como depoimento de fatos e pessoas da época em que Medeiros viveu e atuou. Uma enorme galeria de homens é apresentada pela pena de Medeiros que se vale do fato de tê-los conhecido. Para que se tenha idéia, no livro encontram-se perfis de Floriano Peixoto, Rui Barbosa, Prudente de Morais, Campos Salles, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Silvio Romero e muitos outros. Além disso, Medeiros se dá o direito a indiscrições. Nos últimos capítulos Medeiros confessa ter sido um tipo de Don Juan e expõe a sua técnica para conquistar mulheres. A partir daí passa a descrever inúmeras das suas conquistas, detalhando os modos como conseguiu chegar ao contato carnal.
O livro de Medeiros e Albuquerque me foi útil em várias ocasiões quando busquei informações não convencionais sobre personagens brasileiros importantes. Quanto aos últimos capítulos, ainda hoje não tenho opinião formada. Se por um lado são engraçados, por outro revelam o machismo tosco de um homem altamente ilustrado. Ali as mulheres são expostas como objeto de caça, esmiuçando-se as armas utilizadas para abatê-las.
Paulo Salim Maluf tem uma história pregressa de atitudes fora do comum. Não sei se dada as acusações que contra ele pesam suas memórias contarão com credibilidade integral quando forem publicadas. Entretanto, não deixa de ser interessante a hipótese do seu depoimento, ainda mais se ele partir da perspectiva de que, estando morto quando da publicação, a atitude correta é isentar-se ao máximo e falar a verdade.