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O ipê-roxo

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Minha tia temia muito o câncer. Consequência da vivência dela com o câncer que levara sua mãe, minha avó. A avó tivera um câncer de mama. Eram os anos setenta do século passado e a terapia contra esse tipo de tumor nem de longe se aproximava de recursos hoje disponíveis. Operada, submeteu-se à radioterapia num hospital da capital. A aplicação resultou em grandes queimaduras em seu tórax. A partir daí muito sofrimento. Lembro-me de minha avó sempre gemendo. Triste fim de vida para uma descendente de italianos que nascera juntamente com o advento da República no país, em 1899.

A geração anterior à de minha avó chegara ao país por iniciativa de D. Pedro II. O imperador trouxe imigrantes italianos para alojá-los na Serra da Mantiqueira, a maioria na região de São Bento do Sapucaí. A ideia do imperador seria a de estabelecer na região cultura de frutos conforme acontecia na Itália. O clima frio da montanha seria favorável a esse tipo de atividade agrícola. Vieram, assim, os Chiaradia, os Reale e tantos outros. Minha avó pertencia ao clã Chiaradia.

Depois do falecimento de minha avó minha tia tornou-se atenta a notícias sobre o câncer. Lembro-me de que ainda nos anos setenta circulou a notícia de que da árvore ipê-roxo se extraia uma espécie de suco que seria valioso na terapia cancerígena. Não sei se me falha a memória, mas, naquela ocasião, passaram-se a comercializar, informalmente, garrafinhas cujo conteúdo seria o extrato do ipê. Minha tia lamentou que sua mãe não tivesse alcançado essa possibilidade de cura de seu câncer.

É sabido que, de tempos em tempos, foram surgindo hipóteses, quase nunca apoiadas no meio médico, para tratamento de diversos tipos de câncer. De lá para cá tem-se verificado grande evolução nos meios cirúrgico, quimioterápico e radioterápico. Terapias paralelas com indução de combate direto a células cancerosas têm sido testadas, publicando-se alguns bons resultados. Entretanto, o câncer segue como desafio. Diagnósticos precoces da doença contribuem para que se logre a cura de processos que se complicariam com a passagem do tempo.

Mas, lembrei-me de minha tia por causa do ipê-roxo. Eis que hoje se divulga um estudo que foi finalista no prêmio Octavio Frias de Oliveira, na categoria inovação tecnológica em oncologia. Trata-se de projeto em que atuam, juntas as Universidades Federais do Ceará e de Minas Gerais. Um grupo de professores isolou do ipê-roxo substância análoga à beta-lapachona que é testada em droga para o tratamento do câncer de próstata. A patente já foi registrada nos EUA com ajuda da Universidade do Texas.

Recupera assim o ipê-roxo, árvore comum na Mata Atlântica, sua credibilidade na contribuição para o tratamento do câncer. Mas, minha tia não receberá a boa-nova. Ela faleceu em consequência de acidente automobilístico. Na ocasião seu corpo foi atirado pela janela do veículo em que estava tal a força do impacto durante a colisão. Operada em seguida, não resistiu, falecendo poucos dias depois, ainda no hospital.