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Depois das chamas
O apresentador fala sobre o minuto a minuto na TV. Trata-se de pesquisa de audiência realizada a cada minuto. Ele relata que quando se apresentam notícias sobre o incêndio do Museu Nacional a audiência cai repentinamente. Quando se passa a outro assunto a audiência se recupera.
A conclusão é a de que as pessoas não querem ouvir falar sobre o incêndio. Será? Talvez os brasileiros acossados por tantas desgraças não queiram saber sobre mais uma, cuja grandiosidade incomoda. O problema do incêndio do Museu Nacional é que ele é visível. Não há como fugir às imagens do fogo avançando e devorando tudo o que existia dentro do prédio. Não há como se fingir de que aquilo não importa muito. Mesmo para pessoas menos interessadas é muito claro que o fogo está a consumir não só o passado e o presente, mas parte da alma de um povo. Queimar alma é coisa muita séria. Incomoda. Talvez não queiramos assistir a tão triste espetáculo.
O incêndio repercute no mundo. O descaso das autoridades com o patrimônio cultural do país escancara-se, manchando a imagem de todo um povo. O incêndio enche-nos de vergonha. Publica-se que os custos da reforma do Maracanã teriam sido suficientes para manter o museu por mais de 2000 anos.
Na TV jornalistas falam sobre a lamentável situação dos museus nacionais. Ficamos sabendo que no Museu da República, no Rio, o quarto onde Getúlio se suicidou está fechado por conta de goteiras… E o governo parece acordar, prometendo verbas para recuperação e manutenção de nosso patrimônio cultural.
No Rio uma grande passeata de estudantes, realizada na Cinelândia, serviu como protesto em relação à tragédia do Museu Nacional. Na Quina da Boa Vista pessoas fizeram um cordão para abraçar o antigo prédio do qual restam apenas as paredes, ainda que muitas delas ameaçadas de ruir.
Agora o prédio está sendo periciado. Buscam-se culpados. Longa discurseira de autoridades tenta explicar o inexplicável. Técnicos aventam hipóteses sobre o início do incêndio. Pesquisadores, estudantes e toda gente que trabalhava no Museu Nacional não escondem sua tristeza pelas perdas irreversíveis ali verificadas.
Em entrevista uma senhora diz que o incêndio parece a ela um sonho. Diz ter esperança de que, na próxima manhã, quando acordar, o velho museu estará lá, onde sempre esteve, com todo o seu conteúdo e pessoas que diariamente o frequentam.
Pena que a ilusão não nos devolva o passado e faça retornar o que perdemos. Daqui a algum tempo o incêndio do Museu Nacional será assunto do passado e seremos devorados por novas notícias, boas e más. Até lá é bem possível que nossas almas de brasileiros, arranhadas por tanta coisa, tenham se recuperado. Mas, não nos livraremos dessa cicatriz imensa que foi a perda do Museu Nacional.
O meteorito de Bedengó
O incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista é noticiado em todo o mundo. Perdem-se para as chamas cerca de 20 milhões de itens cujo calor histórico e científico é não só inestimável, mas irrecuperável. Tragédia acontecida, levantam-se vozes em busca de culapados. O descaso com bens públicos, o corte de verbas e outras acusações vêm à tona. Não há como aceitar tamanha perda que certamente tem responsáveis por ela.
Na primeira vez que visitei o Museu Nacional tinha 19 anos. Fui em companhia de um amigo que conhecera no Curso Colegial, hoje Ensino Médio. O meu amigo, hoje médico, era empalhador de animais. Foi recebido pelo pessoal do setor de empalhamento como “um dos nossos”. Naquela ocasião estendi a minha visita a todo o museu, deparando-me, pela primeira vez, como o meteorito de Bedengó.
Fora o meteorito encontrado no sertão da Bahia por um menino. Corria ao não de 1784. De lá para cá uma longa história de transportes e pesquisas envolvem o famoso meteorito. Constituído por ferro e pesando mais de 5 toneladas não foi fácil o transporte para o Rio de Janeiro. Na primeira tentativa, levado por um carro puxado por muitos bois, terminou no leito do rio Bedengó. Só 100 anos mais tarde o imperador Pedro II providenciaria a remoção do meteorito até Salvador, de onde foi levado ao Rio por via pluvial.
Hoje publicam-se fotos do famoso meteorito que resistiu ao fogo que destruiu o museu. Informa-se que, capaz de resistir a temperaturas de até 10.000º C o meteorito permaneceu intacto em meio às chamas.
Na época de sua descoberta o meteorito de Bedengó era o segundo do mundo em tamanho. Hoje ocupa o décimo-sexto lugar.
Em minhas incursões pelo sertão da Bahia, região de Canudos, muito ouvi falar sobre o meteorito. Naquelas paragens, distantes do mundo em que vivemos, fatos ali acontecidos ganham muita projeção e perduram nas memórias das gerações. A Guerra de Canudos, por exemplo, é contada em prosa e verso pelas gentes do sertão, conforme ouvida das gerações que as precederam. Mas, bem me lembro de como se falava com orgulho daquele meteorito encontrado, justamente, ali no sertão. O sertão que produzira a guerra também passara à civilização o famoso meteorito.
Sobrevivente ao incêndio o meteorito de Bedengó renasce em meio aos restos daquele que foi importante repositário de nossa história. Ao vê-lo nas fotografias tem-se a impressão de que ali está para gritar que somos um povo forte, maior que a incompetência e desmandos daqueles que nos dirigem.