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Amour
Você tem medo de envelhecer? Medo da morte? Se responder positivamente às perguntas anteriores é melhor não assistir ao filme “Amour” de Michael Haneke. De fato, no filme o diretor nos conduz a um beco sem saída, colocando o casal Georges e Anne em situação para a qual não existe volta. A rotina da vida de dois velhos é subitamente quebrada por um acontecimento que se torna incontrolável. Trata-se da doença de Anne, acometida por um entupimento de carótida que não é resolvido através de cirurgia. A partir daí a saúde de Anne piora progressiva e irreversivelmente para desespero de seu marido Georges a quem resta a dura missão de cuidar dela e presenciar o avanço de sua decrepitude.
É assim que um casal aposentado de professores de música passa a viver uma dura realidade que só pode terminar com a morte. Aliás, o diretor Haneke desde logo nos adverte de que não devemos esperar por nenhum consolo na história que nos será contada: o filme justamente começa com as imagens de Anne morta em seu leito, trancada no quarto do apartamento por Georges.
“Amour” é um ensaio brutal sobre a realidade do que nos espera ao final da vida. Anne é vencida pelo esgotamento de suas forças físicas enquanto Georges a acompanha deteriorando-se mentalmente. Não há como escapar a essa via de mão única que nos conduz ao fim de tudo e a história de Georges e Anne retrata com terrível perfeição os lances aflitivos dessa última viagem.
A trama se passa dentro do apartamento em que vive o casal. Aquele que a princípio surge como um lar feliz devagar se transforma numa atmosfera progressivamente densa que a cada instante que passa oprime mais e mais aos dois velhos. Torna-se impossível avaliar de quem é o maior sofrimento: se de Anne reclusa ao leito e impossibilitada de realizar as atividades mais comuns ou se de Georges que, a cada passo, vê o mundo em que viveu ruir irreversivelmente. A vida cobra preço alto ao casal no fim de suas existências e eles nada podem fazer contra a doença e o envelhecimento.
O filme de Haneke caracteriza-se como um doloroso estudo de uma situação para a qual somos conduzidos através do envelhecimento. É na observação dos detalhes que a tragédia de Georges e Anne exibe a sua grandeza. O tempo que corre, mas na verdade parece não passar para o casal que se consome na inutilidade de sua luta contra um inimigo que não dá a eles a menor chance é, talvez, o maior aliado com que podem contar para que tudo tenha, afinal, um fim. E quando o fim não chega, quando a demora se torna insuportável, cabe a Georges agir, encerrando o sofrimento de ambos.
Uma história assim só pode ser contada com a participação de grandes atores. Jean Luis Trintignant no papel de Georges e Emmanule Riva encarnando Anne têm, ambos, atuações excepcionais.
“Amour” é de fato uma história de amor, mas que se consuma em desespero diante dos inevitáveis desdobramentos da velhice. Trata-se de um filme denso, impressionante, poético e doloroso. Georges e Anne somos todos nós e nisso reside o certo grau de mal-estar que podemos sentir ao final de um filme que escancara aos nossos uma realidade que preferimos ignorar.