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Conversa no táxi

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Entro no táxi na esquina do canal. O taxista é um homem de cerca de 60 anos, muito sorridente. Mal me acomodo e lá vem ele com comentários sobre o calor e o inevitável papo sobre o campeonato brasileiro.

Atuação de juízes, resultados de jogos, classificação das equipes, pressão para o Flamengo ser campeão, sobre isso e muito mais fala o homem, pedindo a minha opinião. Até que passa uma moça bonita e o assunto muda para beleza e coisas boas de ver. É nessa altura que ele assume um tom grave e dispara alguns impropérios contra o destino.

É curiosa a teoria do taxista. Ele me diz que as mulheres bonitas são as mais sensíveis a problemas que afetem as suas aparências. Respondo que se isso for verdade talvez seja porque nas mais bonitas se percebe mais facilmente a ação do tempo sobre a beleza delas.

Ele não concorda e acrescenta que esse mundo foi feito para que tudo acabe lentamente, de modo que possamos presenciar a decrepitude. Nessa altura decido olhar para o espelho retrovisor, buscando a imagem do rosto do taxista: pode bem ser que eu esteja vivendo uma impossível experiência surrealista e tenha entrado num táxi dirigido pelo próprio Machado de Assis.

Machado ou não, o homem prossegue com a sua teoria:

- O senhor talvez não tenha prestado atenção, mas como explicar certos acontecimentos? Já disse ao senhor que o destino da beleza das mulheres é minguar dia-a-dia, irreversivelmente. Então, basta observar bem os fatos para concluir que algo de estranho acontece com certas pessoas, como se uma força maior quisesse afirmar a sua presença e o controle sobre todos nós. O senhor se lembra do João do Pulo? Ela era recordista mundial de salto triplo. O que aconteceu a ele? Ora um acidente no qual ele perdeu o que tinha de mais precioso: uma perna. Pode? E aquele locutor esportivo, o Osmar Santos? Pois num acidente de carro ele perdeu a voz que era o seu instrumento de trabalho. E quanto ao Lars Grael, campeão de vela cuja perna foi decepada durante um acidente em pleno mar? O que o senhor acha disso?

Eu ia dizer a ele que Jorge Luís Borges, cuja paixão era ler, ficou cego e um meu tio, matemático, sofreu um derrame que lhe roubou apenas a capacidade defazer contas. Também me ocorreu um amigo que casou-se com uma modelo lindíssima e sofreu irreversíveis problemas de natureza sexual, ele que sempre fora tão galante e mulherengo.

Mas não disse nada por que chegamos ao local determinado por mim. Já na calçada parei para olhar o carro se afastando e tive a impressão de que nada daquilo fora real, na verdade o motorista não dissera uma só palavra e eu imaginara toda a conversa.

Não sei dizer. Mas entrei no elevador pensando sobre a eterna discussão quanto à bondade de Deus. Lembrei-me das teorias que afirmam que Deus só seria realmente completo criando tudo o que existe, daí ter Ele criado também o mal ou não seria verdadeiramente Deus. Eu me interrogava sobre a bondade divina ao ferir pessoas tirando-lhes justamente aquilo que elas têm de melhor quando cheguei, finalmente, ao escritório e vi pela janela o mar, azul, lindo, maravilhoso, testemunhando com alguma insolência os contrastes deste mundo.