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Livros: companheiros de verdade

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Numa época em quem a palavra companheiro assumiu conotação de ligação política e comunhão de interesses, não será demais um pequeno esforço para reabilitá-la (reabilitá-la, sim, porque ela tem feito a delícia de comediantes e muita gente que anda por aí).

Não há melhor jeito de fazer isso que a lembrança dos bons amigos que temos, com quem contamos em todas as horas. Existem amizades de raiz, ligadas a passado distante, mas preservadas por funda afeição e admiração. E quantas novas, produtivas e agradáveis, por obedecerem ao princípio básico das amizades que é a pessoa em si despida de outros interesses.

Poderíamos, ainda, referir-nos aos animais de estimação, por vezes ariscos, mas que na hora “H” revelam-se mais solidários que muitos seres humanos. Creio que os cães, melhor que outras espécies animais, preencham com louvores essa condição.

Entre as coisas inanimadas, os livros ocupam posição de destaque como nossos companheiros. Estão sempre disponíveis para oferecer variantes de pensamentos ou simplesmente brindar-nos com uma boa história que nos ajude a fugir um pouco da rotina diária.

Tempos atrás assisti à palestra de renomado professor universitário que, entre outras, afirmou ter nascido numa casa sem livros. Estranhava ele que o destino, ou o que fosse, o tivesse conduzido à literatura assunto do qual esteve ausente por um bom período de sua vida. Na verdade não foi essa a primeira vez que ouvi referências a casas sem livros, fato sempre narrado pesarosamente e no sentido de comprometer culturalmente os seus moradores.

De minha parte, afirmo alegremente que nasci numa casa com livros – e sem televisão. Naqueles ermos interioranos onde nasci, dada a precariedade da recepção de imagens, realmente era um grande luxo ter um aparelho de televisão. Vai daí que outra boa distração não tínhamos que a das histórias contadas nos livros. Era através deles que tomávamos contato com o mundo, sabíamos como viviam outros povos e armazenávamos conhecimentos sobre a vasta cultura tantas vezes inúteis dos velhos almanaques que podem ser considerados precursores do Google, Wikipedia e outras ferramentas de pesquisa da internet.

Quem foi o primeiro homem a chegar ao pólo norte? Quais são as sete maravilhas do mundo antigo? Essas e milhares de outras perguntas estavam ao alcance de todos nos almanaques aos quais devo a curiosidade por coisas incomuns, fatos mal explicados porque desimportantes e assim por diante.

Foi por ter nascido em casa com livros que pude ler até os 14 anos de idade toda a obra de José de Alencar, talvez sem perceber as peripécias do romantismo, mas curioso a cada capítulo assim como as pessoas que, atualmente, acompanham as tele-novelas. Daqueles anos também ficaram as verdadeiras imersões no “Tesouro da Juventude” uma coleção de vários volumes bem encadernados e ilustrados cuja pretensão era encerrar em suas centenas e centenas de páginas a essência cultural que todo homem deve ter. Foi no “Tesouro” que conheci as fábulas de La Fontaiane e explicações iniciais sobre os princípios da química, da física e da  biologia.

Depois do “Tesouro” vieram os contistas russos, Flaubert, Henry James, Fernando Pessoa e toda essa maravilhosa galeria de escritores que me emprestou tantas idéias e que se fizeram companheiros inseparáveis vida afora.

Mas não poderia terminar sem prestar uma rápida homenagem a meu pai. Tinha ele o prazer genuíno das palavras, gostava e gastava cada uma delas como se fosse a última. E, coisa rara, adorava ler em voz alta, se possível para nós. Foi através dos olhos e da voz dele que, quando menino, travei contato com a Divina Comédia. Diariamente meu pai lia-nos uma parte do grande livro e de tal forma nos envolvíamos que personagens como Beatriz e Virgílio faziam parte de nossas conversas cotidianas.

Ah, se eu pudesse e o meu dinheiro desse, como dizia Carlos Drummond de Andrade. Pois se eu pudesse e o meu dinheiro desse, mandava colocar uns livros na casa de todo mundo. E seria ditatorial: televisões ligadas só depois de pelo uma hora de leitura pbrigatória.

O mundo seria outro, acreditem.