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Quem sabe, sabe
Meu amigo dá gosto ouvir a opinião de tanta gente sobre a decisão do STF em relação ao mensalão. Trata-se de assunto para preencher páginas e páginas de texto até mesmo com citações e notas de rodapé. Todo mundo mete a sua colher, ora aprovando o voto do ministro Celso Mello, ora execrando o STF pela decisão que se considera favorável à impunidade.
Para que se tenha ideia só nos últimos dois dias publicaram-se textos com considerações opostas sobre o julgamento do mensalão. Um ex-ministro do STF considerou absurda a aceitação dos embargos infringentes porque representam a continuidade a perder de vista do julgamento. Outro grande jurista veio a público para dizer que José Dirceu foi condenado sem provas. E por aí vai.
Enquanto isso o mundo segue adiante, como sempre com acontecimentos que desafiam a lógica comum. No Quênia extremistas invadem um shopping e matam, gratuitamente, mais de 60 pessoas. Entram atirando nas pessoas que encontram pela frente e matam homens, mulheres e crianças. Simples assim. Como se as vidas nada valessem. Em meio aos mortos um grande poeta queniano cuja morte é chorada em seu país e repercute no exterior.
Nos EUA um antigo marinheiro invade instalações da Marinha, fortemente armado, e executa 13 pessoas até ser morto. Fica-se sabendo que o atirador não andava bem da cabeça e a mãe dele vem a público pedir perdão pela dor causada às famílias que perderam parentes.
O mundo gira e Lusitana roda. Tudo se passa depressa demais e o dia de amanhã promete novos horrores fazendo-nos esquecer dos acontecidos nos dias anteriores. Assim, também acontecerá como mensalão. Logo, bem logo , outro escândalo virá à luz e, pouco a pouco, o mensalão será esquecido, isso para sorte dos condenados. Não é que hoje mesmo um marqueteiro do futuro candidato à presidência pelo PSDB declarou que o mensalão não terá reflexos sobre as próximas eleições? Pois é, como é boa a natureza humana capaz de apagar depressa as memórias de tudo aquilo que nos causa tédio e horror.
Lição de Direito
Pois é, o ministro Celso Mello gastou mais de duas horas para declarar o seu voto de aceitação dos embargos infringentes. Agora será realizado novo julgamento e há a possibilidade de que a cúpula condenada anteriormente se beneficie com redução de penas.
Estado democrático, respeito ás liberdades individuais, direito de defesa, lição de Direito dada pelo ministro. Os comentários giram em torno desses temas, havendo muita, muita gente que não se conforme com a não prisão dos condenados. Em pauta o fato de que gente importante que pode pagar os serviços dos melhores advogados do país consegue se livrar da prisão. O que se diz é que no final de tudo o que se verá é a velha pizza em que se transformam as coisas no Brasil. Estranha-se, ainda, que o grupo técnico do mensalão não se beneficie enquanto o núcleo político se regozija pelas novas perspectivas dentro de um julgamento até então dado por acabado.
No geral a mídia se mostra cautelosa. Ninguém se atreve a sugerir ato errado do ministro em seu voto calcado nas letras da lei. Mas, como temos cabeça para funções que não se limitam a usar chapéus e bonés vale pensar um pouco e perguntar se os altos ministros, todos eles, conseguem separar bem as suas inclinações ideológicas e políticas do que está escrito na lei. Será mesmo que ao votar sobre a condenação ou não de dado político pertencente a tal partido o juiz em nenhum momento se deixe levar por um mínimo de simpatia pelo acusado ou suas ideias e passado político?
Por isso mesmo vale dizer como é bom não ser juiz, não ter que decidir sobre os destinos dos outros, ainda mais tendo às costas os olhos inquisitivos de todo o país.
Quando rapaz estive uns tempos em casa de um tio, na época juiz de direito. Era homem sério, estudioso que pautava pela imparcialidade em seus julgamentos. Muitas vezes o vi, noite adentro, curvado sobre seus processos, analisando, pensando. Certa madrugada veio ele ao meu quarto e me acordou. Precisava conversar um pouco. Falou-me sobre uma decisão a tomar em um caso para o qual tinha que formular sentença. Não me lembro do caso, nem da decisão dele. Ficou-me na memória apenas a imagem de um homem torturado pelo exercício de sua função, escravo do dever, ciente das consequências da decisão que deveria tomar ainda antes do amanhecer.
As leis
Em andamento o interminável julgamento do mensalão. Quando se pensava que os réus condenados pelo STF finalmente iriam para a prisão eis que surgem os tais embargos infringentes cuja aceitação pelos ministros resultará na revisão das penas anteriormente aplicadas.
Não está em jogo a verdade, mas a opinião de cada um sobre ela. As leis podem ser comparadas a uma peneira dentro da qual é impossível reter-se água. Por mais que se vedem as saídas resta sempre um orifício pelo qual tudo vaza e o trabalho de contensão precisa ser recomeçado.
Engajados que estamos em meio ao noticiário - ao qual não faltam isenção e paixão - sobre esse caso fica difícil ter opinião sobre o que há de certo e errado nessa história. Talvez pelo fato de termos reiterada desconfiança quanto à retidão das pessoas envolvidas queiramos colocar um fim no julgamento com a punição dos reais culpados. Por isso, correm os ministros do STF sério risco em relação às suas credibilidades diante da opinião pública. A revisão das condenações figurará como correção de erros, inevitavelmente. Erros praticados por ministros da mais alta corte do país são difíceis de engolir e nos levam a pensar sobre a validade das leis e a segurança das decisões tomadas em nome dela.
Hoje se decide no STF se os embargos infringentes serão ou não aceitos. Até esta hora o placar é de quatro contra dois pela aceitação. Existem fortes possibilidades de que os embargos sejam aceitos pela maioria dos ministros, contrariando a opinião geral sobre o fim do julgamento. Esse fato - caso aconteça - leva-nos a pensar que, no fim das contas, tudo não terá passado de um exercício de retórica entre ministros. Entretanto, não restam dúvidas de que contribuirá para a desconfiança da aplicação das leis aos poderosos, mais que isso confirmará as certezas que se têm sobre a impunidade no país.
Golpe na corrupção
Por mais que se tente disfarçar, os acontecimentos atuais mechem bastante com a gente. Refiro-me às ações que correm no mundo político, setor da brasilidade que a muito está a exigir profunda revisão.
Sou desses que gostam de ouvir noticiários pelo rádio do carro. Durante esses programas os radialistas baixam o pau nos corruptos nunca se esquecendo - talvez por obrigação - da ressalva sobre gente boa que também milita na política. Mas, tantas são as acusações sobre tramoias e atos de corrupção que os “bons” parecem se perder em meio a essa nuvem escura dentro da qual fica difícil distinguir quem quer que seja. Impossível não se ter a impressão de que a ficha limpa não passa de questão de tempo, durando até que finalmente se descubra algum deslize de algum campeão da moralidade. O caso recente de um senador que se caracterizava por apontar os desmandos dos outros fala por si sobre a extensão dos abusos que raramente vem à tona e só ocasionalmente chegam ao conhecimento do público. Quando a coisa ameaça pegar de verdade bons acordos entre membros de partidos soterram fatos que poderiam resultar em perdas de mandatos etc. (vide CPIs).
De modo que o que ora se passa no STF - o julgamento do mensalão - revela-se bem mais importante que a punição de políticos acusados de corrupção. O que se passa no STF representa a reação da República contra crimes contra ela praticados - entendendo-se República como patrimônio de todos os brasileiros e não palco para cobertura de interesses espúrios de partidos ou, ainda, deste ou daquele político.
De modo que para quem não acredita que um dia, cedo ou tarde, a Justiça acaba sendo feita eis em andamento a prova da veracidade dessa afirmação. E que não se venha dizer que está a se torcer pela condenação de corruptos visando apenas interesses políticos contrários aos deles. Na verdade o que hoje acontece no STF funciona como divisor de águas que nos permite confiar no futuro. Daqui por diante os que se dedicarem à atividade política saberão que, no país, existe a lei que os punirá caso cometam deslizes.
Um novo tempo se abre, o futuro começa agora. Ganham os brasileiros, ganha o Brasil.
Renúncias de presidentes
Os brasileiros foram atingidos por duas renúncias de presidentes da República o que, pensando bem, não é pouco num período de cinquenta anos. A primeira delas foi a de Jânio Quadros, em 1961, cujas causas ainda hoje seguem controversas. De todo modo o país foi surpreendido com a renúncia de um presidente que chegara ao governo levando a esperança de milhões de brasileiros por dias melhores. Tentativa de retorno com mais poderes, simples pileque e até mesmo a solidão do governo em Brasília estão entre as muitas explicações para o intempestivo abandono de Jânio do cargo de primeiro mandatário do país.
O segundo renunciante foi Fernando Collor de Mello que se apeou do poder após o impeachment ser votado pelo Congresso. Eleito, Collor trazia para o governo central juventude e ousadia que já nos primeiros dias manifestou-se por medidas econômicas radicais como o congelamento de 80% dos depósitos bancários. Cada brasileiro passava a ter em conta corrente NCz$ 50 mil fato que desgostou e causou enormes embaraços à população. Congelamento de preços e salários, criação do IOF, aumento de preços de serviços públicos e outras medidas que logo se mostraram confusas e ineficazes tornaram-se verdadeiro tormento. Por trás desse aparato crescia a corrupção, comandada por PC Farias, fato que quando veio à luz provocou a renúncia do então presidente. As acusações ao presidente foram feitas pelo próprio irmão dele, desencadeando enorme revolta popular.
O Brasil teve, portanto, nos últimos 50 anos, história bastante conturbada na qual se inclui o longo período de ditadura militar instaurado no país, em 1964, com a deposição do então presidente João Goulart.
São fatos sobejamente conhecidos, mas que devem sempre ser lembrados para que nem por sonho o país torne a experimentar período de tanta turbulência. É justamente por isso que os brasileiros acompanham com atenção o julgamento do mensalão do qual se espera o veredito final de culpa ou inocência dos acusados de corrupção. Eis aí um fato que pode ser incluído na categoria do “nunca antes neste país” porque, sinceramente, pessoas que já viram de tudo no passado, sempre sob o acobertamento da impunidade, jamais esperariam que um dia a mais alta corte do país se empenhasse num julgamento como o atual.
Há quem diga que o que se espera não é Justiça, mas punição. Políticos aliados aos acusados do mensalão tentam desfigurar o julgamento taxando-o de manobra para depor presidentes etc. Além disso, estranhamente continuam a bater na mesma tecla, qual seja a de negar a existência do mensalão sobre o qual já se acumulam provas incontestáveis.
As punições dos corruptos talvez não seja o que mais interessa nessa história toda. O mais importante é que o julgamento que ora acontece no STF funciona como divisor de águas, estabelecendo-se no país um novo código de conduta e modo de ser daqui por diante. Rasga-se o véu da impunidade e os homens públicos são alertados sobre a honestidade necessária no desempenho de suas funções.
Um novo Brasil deverá emergir após o término do julgamento do mensalão.
A ópera jurídica
Até então eu nunca tinha visto uma sessão do STF. Imaginava o STF como lugar onde reina a sobriedade, composto por ministros dotados não só de grande conhecimento, mas, também, de desprendimento no momento de julgar. Ao vestirem a toga e assumirem a posição de última instância de julgamento passam eles a exercer o papel de finalizadores de causas não resolvidas e às quais é necessário dar um veredicto final.
Creio que a imagem que fazia do STF foi forjada como cópia daquela exibida em filmes nos quais entra em ação a Suprema Corte dos EUA, sempre mostrada como um tribunal superior e acima de interesses. Talvez por isso me causem estranheza as posições de ministros do STF no momento em que julgam aquele que vem sendo considerado o maior caso de corrupção da história do país, segundo as palavras do Procurador Geral da República. As referências a posições particulares de ministros do SRF - algumas delas encaradas como de provocação ou meio de irritar determinado companheiro de atividade -, o longo tempo de considerações de ministros para enfim esclarecerem o voto a favor ou contra condenações, as declarações paralelas, tudo isso parece turvar o grande julgamento, tornando impossíveis quaisquer previsões sobre os resultados.
Por outro lado há que se considerar que os ministros do STF são seres humanos e quanto lhes é difícil a completa isenção em torno de um julgamento que extrapola a área jurídica por suas conotações e interesses políticos. Não se dúvida do alto conhecimento jurídico dos onze ministros do STF nem da idoneidade deles, mas ao leigo fica a impressão de que talvez tenha faltado a eles algumas conversas anteriores, acordos prévios sobre questões de ordem que talvez facilitassem o andamento dos trabalhos.
Não assisti a todos os pronunciamentos dos advogados de defesa dos réus do mensalão, transmitidos pela televisão em tempo integral. Dos que ouvi ficou-me a impressão, aliás confirmada, de que ali estavam os melhores advogados do país, capazes de promover peças de oratória de grande alcance jurídico, embora a maioria tenha optado por descaracterizar o mensalão transformando-o em atividades ligadas ao caixa 2.
O país aguarda a decisão do STF em relação ao mensalão. É notório o fato de que de tal forma o público foi impregnado pelas repetidas notícias dando conta de atos de corrupção entre membros da classe política que espera-se por punição dos culpados. Fica, pois, o STF em posição singular tendo às costas a opinião pública que deles espera punição dos culpados e absolvição dos inocentes. Mas, no fundo, não se acredita muito em punição, afinal este é o país onde viceja a impunidade e sabido é que peixes graúdos não caem na rede.
A bola está com os onze juízes do STF aos quais cabe uma resposta convincente ao povo brasileiro sobre tudo o que se disse e publicou sobre o mensalão nos últimos anos.