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Sempre Cortázar
Se bem me lembro foi através de um amigo que cheguei à obra do escritor argentino Júlio Cortázar. Corriam os anos 70 do século passado, os tais anos de chumbo, nos quais pouco se falava e política não era bom assunto nem mesmo em casa. Além do que não existia a internet e para conseguir um telefone esperava-se por mais deu um ano após comprá-lo junto à companhia. Os jornais, naturalmente censurados, não eram lá muito interessantes. Sobre aquilo que de fato queríamos saber nenhuma linha, isso quando uma receita de bolo era publicada para preencher o espaço vazio de uma coluna na primeira página. Havia, sim, a notória presença de uns caras que enveredaram pelo terrorismo, mas a repressão logo fazia desaparecer os perseguidos. Até hoje não s e sabe que fim levou muita gente presa naquela época.
Mas, haviam os livros. Podia-se fugir do marasmo de ideias, da falta de discussões, dos embates ideológicos censurados através da leitura. Felizmente, o governo não pode - nem conseguiu - proibir mais que as obras consideradas perigosas que caiam nas mãos dos censores de modo que a cultura universal dormia tranquila nas estantes de bibliotecas e casas. O regime totalitário do país não chegara ao extremo de proibir livros sob o pretexto de deixarem as pessoas tristes e infelizes. No filme Fahrenheit 451, de 1966 e dirigido por François Truffaut, o governo proíbe a circulação de livros que devem ser destruídos isso, logicamente, para o bem do povo.
Foi o meu amigo que me passou, por empréstimo, o livro “Todos os Fogos o Fogo” de Cortázar, publicado em 1966. A leitura valeu como um tiro na cabeça, imersão em um mundo no qual o “normal” ao qual estamos habituados confronta-se com a existência do inusitado, do absurdo. Foi a mulher de Cortázar quem certa vez disse que para ele caso um elefante entrasse em sua casa ele não estranharia, na verdade pensaria se na geladeira haveria comida para o enorme animal. Na obra de Cortázar a entrada de um elefante numa casa seria um fato “normal”.
O clima dos contos de Cortázar é de irrealidade e insanidade dado que nada está em seu lugar. Ao longo de sua carreira Cortázar notabilizou-se como um dos maiores escritores da literatura mundial. Mestre da narrativa deixou-nos obras impactantes que, felizmente, agora começam a ser republicadas em português. A Editora Civilização Brasileira acaba de relançar dois livros de Cortázar: “Final de Jogo” e “Um tal de Lucas” cuja leitura se recomenda aos interessados.
Em relação a grandes escritores sempre paira a curiosidade de se saber que tipo de pessoa, afinal, seriam. De Cortázar se sabe que viveu em Paris a maior parte de sua vida embora publicasse seus livros em espanhol sua língua nativa. Era um homem alto que amava o jazz, gostava gatos e de boxe. Certa vez ouvi do professor Davi Arrigucci que pessoalmente Cortázar era um homem que tinha dificuldade em cuidar de pequenas coisas. Tomar um café em aeroporto seria para ele um grande obstáculo.
Não se sabe em que dimensão mental viveu Cortázar. Os livros que escreveu nos dão conta de alguém proprietário de um surrealismo particular traduzido numa escrita de todo modo fantástica e irrepreensível.
Paroles, Paroles
Aquela voz masculina que se ouve ao fundo da canção “Paroles, Paroles”, interpretada pela cantora Dalida, você sabe de quem é? Não? Olhe, a voz pertence ao ator francês Alain Delon.
Numa propaganda veiculada, tempos atrás, se dizia: o tempo passa, o tempo voa. Pois é, o tempo passa, o tempo voa. Acontece a todo mundo envelhecer, aconteceu também a Alain Delon que agora anda pelos 75 anos de idade.
O Alain Delon? Pois é, ele mesmo. O cara era proprietário de uma beleza incomum, lembra-se? Foi protaganista de filmes importantes, símbolo sexual nas décadas de 60 e 70, trabalhou com diretores de peso, foi casado com Romy Schneider e Natalie Delon. Fez o diabo por mundo afora até entrar aqui em casa hoje por meio de uma foto tirada ontem, durante a sua participação num programa de TV em Cannes.
E daí? Daí que não são justas as rugas no rosto e os cabelos brancos. Não no Alain Delon. Para ele deveriam ter aberto alguma exceção porque o Delon a que nos habituamos é o de “O Sol por Testemunha”, “ O Leopardo” e outros filmes.
Não que o atual Delon não esteja bem, pelo amor de Deus, não se trata disso. É que ele estava melhor no papel de ícone, no qual, aliás, continua vivo nas memórias. Então - parece estranho dizer - a verdade é que talvez seja melhor não entrar em contato com fotos recentes para que nas nossas lembranças permaneçam, intocadas, apenas as imagens do passado. Não é assim com Brigitte Bardot? Quem vai a Búzios e passa pela estátua da atriz francesa na calçada, sentada, vigiando o mar, de qual Brigitte exatamente se lembra? A de ontem? A de hoje?
Num de seus livros o escritor argentino Julio Cortázar inclui um conto cujo título é “A noite de Mantequilla”. A narrativa se dá em torno da luta entre o argentino Carlito Monzón, então campeão mundial dos médios, e José Mantequilla Nápoles. A luta foi realizada em Paris – fevereiro de 1974 – com a vitória de Monzón no sétimo round. Alain Delon foi o promotor do evento e Cortázar refere-se à arena montada pelo ator para a realização da luta.
A observação anterior prende-se a um leque de informações sobre um ícone do cinema do século 20. Mas, o tempo passa, o tempo voa, não perdoa ninguém, corrói ícones, destrói aparências até que, finalmente, reduz tudo a pó. É pena. Ainda bem que o cinema guarda, intactas, cenas do passado que subitamente se convertem em presente.Trata-se de um dos milagres da chamada grande arte, dos poucos meios de que dispomos para enganar a passagem do tempo.
Viva o cinema! Vivas aos ícones que preencheram e preenchem as lacunas da nossa imaginação! Eles são eternos, não envelhecem, nunca morrem, podemos revê-los a qualquer momento, na maioria das vezes na intimidade das salas de nossas casas. Basta um clique no controle remoto. Pronto: a fantasia suplanta a realidade e nos enche de esperança sobre a eternidade.
Águas de março
De vez em quando ouço “Águas de Março”. A gravação feita por Tom Jobim e Elis Regina é classificada por Leonard Feather, um dos mais renomados críticos de jazz, entre as dez melhores de todos os tempos.
Em “Águas de Março” Tom e Elis enfiam a mão no sagrado, sem a menor cerimônia. Eles simplesmente atravessam a fronteira do impossível e nos enviam as suas vozes de um oásis onde tudo é perfeito e absoluto. É de outra dimensão que nos acenam os dois artistas, atingindo o estado superior que o escritor Julio Cortázar traduziu em palavras:
“Se existe um dom divino no artista, esse dom não é a sua arte, conquista humana; esse dom é a entrega generosa que o artista faz de seu cosmos para que outros humanos possam se inclinar sobre ele, maravilhar-se e sentir-se um pouco acima do panorama cotidiano.”1
Maravilhado: assim recebo a generosidade de Tom e Elis a cada vez que ouço “Águas de Março”.
1. Julio Cortázar, Papeles Inesperados. Editora Alfaguara, Buenos Aires, 2009.
Cães e gatos
Domingo de manhã é dia de desfile de cães. Você vai à padaria e encontra os dois, o cão e seu dono(a), no caminho. Pessoas aproveitam a aproximação de seus cães para puxar um papo com desconhecidos. Os cães rosnam, roçam-se, cheiram-se e tornam-se amigos. Os donos também, pelo menos por alguns instantes.
Recentemente os cães deram assunto para capa de uma revista semanal: destacava-se o fato desses animais ocuparem, cada vez mais, espaço na vida das pessoas sendo companheiros ideais para solitários. Por trás das paixões, o crescente negócio dos pets shops nos quais se pode adquirir grande variedade de produtos.
Não se levam gatos para passear. Indóceis, os gatos não admitem coleiras e nem são dados a encontros casuais. Suas amizades são principalmente noturnas, sobre muros, em desvãos nos quais dão asas às loucuras de seus cios. Muita gente tem gatos como bichos de estimação. Há neles algo de sombrio e silencioso; agradam aos seus donos os movimentos precisos dos felinos e o olhar que parece ultrapassar aquilo que eles observam. Mesmo quando muito bondosos os gatos reservam-se algo de selvageria que se manifesta através da demonstração das suas afiadas garras quando se veem em situações de perigo. Tem-se dentro de casa, portanto, uma miniatura de onça ou pantera, mas que se liga aos donos afetivamente garantindo-lhes momentos de prazer.
Há quem prefira cães, outros se dão bem com gatos, encontram-se menor número de pessoas aficionadas aos dois. O escritor argentino Julio Cortázar era louco por gatos. Entre seus livros deixou-nos um, de contos, intitulado “Orientação dos gatos”. Mais que isso, Cortázar teve um gato ao qual se referiu em sua obra. O escritor deu ao seu gato o nome pomposo do filósofo alemão Theodor Adorno.
Não é rara a participação de gatos nas histórias de horror. O escritor norte-americano Edgar Allan Poe escreveu um conto cujo título é “O gato preto”. Trata-se de uma história terrível na qual um gato preto desponta como personagem importante durante a realização de um crime.
Os gatos eram considerados animais sagrados no antigo Egito. A coisa funcionava do seguinte modo: se alguém matasse um gato era punido com a morte; se um gato morria naturalmente, seus proprietários usavam trajes de luto.
Se você já teve gatos, conhece os hábitos desses bichanos. Provavelmente acostumou-se aos miados fora de hora, aos insistentes pedidos de comida, ao sono do animal durante o dia, à sua impressionante agilidade, à sua curiosidade (lembre-se, a curiosidade matou o gato!) e ao comportamento absolutamente neurótico de alguns deles.
O fato é que gatos às vezes aprontam e dão trabalho. Talvez por isso se deva dar credibilidade a esse norte-americano que foi preso, dias trás, acusado de pornografia infantil – a polícia encontrou mais de mil fotos em seu computador.
O interessante é que, ao ser preso, o homem não negou a existência das fotos. Ao contrário, admitiu tê-las, mas alertou que não fora ele o responsável pelos downloads. Segundo polícia, Griffin – esse o seu nome – atribuiu ao seu gato a responsabilidade pelas fotos: Griffin estava fazendo download de músicas quando o gato pulou sobre o teclado do computador, acionando desse modo o recebimento das fotos pornográficas.
Eis aí algo imprevisto e perigoso que se soma às muitas possibilidades de acontecimentos nas relações entre pessoas e seus animais de estimação. O que se sabe é que, talvez por falta de sensibilidade, a polícia não acreditou na versão de Griffin. Em todo caso, Griffin está preso e não há notícia sobre a prisão do gato.