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Telefones e outras engenhocas

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photo_173_20080825Não me olhe com essa cara estranha só porque estou confessando que não vejo muita utilidade nesses telefones multifuncionais. A verdade é que os telefones deixaram de lado a sua função principal – a comunicação entre pessoas – para se tornarem aparatos de várias utilidades, espécie de x-tudo, a ponto de neófitos como eu se perguntarem se a telefonia anda nos trilhos certos.

Outro dia me ofereceram na rua um telefone pirata que, dizia o vendedor, tinha todas as funções do original. Para provar, ele puxou uma pequena antena e mostrou no visor cenas exibidas num canal de televisão. Viu? – perguntou ele. E sorriu, explicando que a única diferença era o preço, obviamente bem mais baixo que o do original.

Atraído pela engenhoca que, entre outras funções, é um mini aparelho de televisão, perguntei a um amigo sobre a qualidade dos telefones vendidos na rua pelos camelôs. Explicou-me o amigo que se trata de bons aparelhos, mas de durabilidade bem menor. Podem dar problemas - disse ele – principalmente se forem de tela de toque. A origem? Ora, logicamente a China, país que produz de tudo, até réplicas aceitáveis de quadros de arte. Você pode ter um Van Gogh na sala de sua casa e dar-se por satisfeito desde que não seja um especialista ou não fique atrás de detalhes. Essa alegria pseudocultural que beira o kistch é patrocinada pela China onde alguém teve a idéia de reunir numa cidade pintores de boa mão, para reproduzirem quadros de arte.

Mas, voltemos aos telefones. O meu amigo entendido em tecnologia me contou que na China existem milhares e milhares de pequenas empresas, reproduzindo aparelhos de toda espécie, inclusive telefones. Segundo ele, tal é a dimensão do mercado de peças naquele país que, da noite para o dia, um grupo de mais ou menos oito pessoas torna-se capaz de montar e produzir similares de produtos comercializados no mundo todo. É por isso que os lançamentos de telefones pelas grandes empresas são revestidos por segredo e muita segurança: existe o risco de os novos modelos serem copiados e chegarem ao mercado paralelo antes dos originais.

O certo é que para pessoas como eu, esses novos telefones parecem coisa estratosférica, tal a quantidade de recursos que apresentam. Eles se tornaram uma coqueluche dos tempos atuais e arrastam legiões de apaixonados que os compram por altos preços. A cada vez que entro num shopping center de cidade grande, e passo defronte uma loja de telefones, fico abismado com o número de pessoas nas filas, à espera de serem chamadas para comprar ou trocar seus aparelhos. Pelo que concluo que nessa história toda quem está na contramão sou eu ao achar que telefones não precisam de tantos recursos.

Apesar disso, ainda acho que tenho alguma razão nessa história toda. Recentemente, na época do natal, descobri por acaso que pretendiam me dar de presente um smartfone. Juro que tremi nas bases como alguém prestes a receber um aparelho dotado de um botão secreto que, caso apertado, poderia destruir o mundo. Desesperado, entrei na internet para ver o que é um smartfone e descobri que se trata de um aparelho inteligente que roda a sistemas operacionais como o Windows Mobile, o palm OS e o symbiam OS. Por essa razão, são capazes de rodar aplicativos no formato .sys, fato que dá a eles grande versatilidade: rodam processadores de texto, editores de imagens etc. Um desses smartfones é o iphone que funciona com o MAC OS X. Parei nesse ponto, visto que não alcancei grande parte do significado das coisas que estava lendo

Na noite de natal esperei ansiosamente o momento de receber o meu presente, já resignado a ser mais um feliz proprietário de um smartfone. Na hora deram-me um pacotinho e tive certeza de que o meu destino fora selado, nada poderia fazer senão ler o manual e tentar, pelo menos, aprender como fazer ligações telefônicas com ele. Entretanto, qual não foi a minha surpresa ao abrir o pacote: ganhei um GPS.

Agora coloquei o GPS no carro e estou em fase de entendimentos com ele. Dentro da caixinha de plástico tem uma mulher que fala o tempo todo, dando-me ordens sobre os caminhos que devo seguir. Às vezes ela me irrita porque não concorda com as minhas escolhas e fica repetindo que está refazendo o trajeto.

Uma caixinha que fala e mostra as ruas por onde estou passando, veja você. Se me contassem isso há alguns anos eu teria dado uma sonora gargalhada na cara do mentiroso.

“Viver a Vida”: ninguém merece

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Você teve um dia difícil, as coisas não estão fáceis. Pode ser que tenha ficado muito tempo parado no trânsito, no ponto de ônibus ou estar com problemas no seu emprego. De todo modo o dia acabou, logo estará em casa, no sofá gostoso da sala, comendo petiscos, ligado na sua novelinha preferida.

De repente termina o Jornal Nacional com o jeitão novo que deram a ele, que você não gostou muito, mas é só dar tempo, você acaba se acostumando.

É aí que entra a novela com aquela história da modelo que casou com um ricaço. Ele tem uma filha, também modelo, que sofreu um acidente previsível porque era muito feliz e rica, meio aloucada e tanta coisa boa junto tem que ser punida, se possível com uma grande, uma enorme desgraça.

Foi assim: era para ela entrar num carro, mas a outra modelo – a mulher do pai dela - não deixou. Aí ela entrou num ônibus, aconteceu o acidente que todo mundo esperava e veio pior, a paralisia.

Agora a moça até então feliz está num hospital, comendo o pão que o diabo amassou. As cenas são terríveis, o quadro é de recuperação impossível, a moça está condenada ao que há de pior nesse mundo, ela grita, chora, sofre, quer morrer: tudo isso entra na sua casa depois de um dia daqueles. Você pensa em mudar de canal, mas há algo nas tragédias que o atrai, talvez a força de um destino malvado que queremos ver para exorcizá-lo, para que de jeito nenhum aconteça com a gente ou com alguém a quem amamos.

Olhe, vou lhe dizer uma coisa: você não merece isso. Esse dramalhão sobre o sofrimento alheio, a exposição pública da dor dos outros com fins talvez, muito talvez, educativos, essa pressão sentimental que parece avisá-lo de que também pode acontecer com você, essa imposição de finitude à felicidade, tudo isso meu caro, é uma grande punição mercadológica que estão enfiando pela sua goela abaixo.

Olhe, você só está cansado dessa vida louca, mas você não é um simplório, não. Você é um cara que merece chegar em sua casa depois de um dia estafante e ver na televisão algo que o anime, que o ajude na dura travessia do dia-a-dia. Então você não pode deixar que um autor de novelas, por mais ótimo sujeito que ele seja, imponha a você um sacrifício de tal ordem. Dá até para pensar que o autor nunca entrou num pronto-socorro e viu de perto o que é receber a notícia de que seu filho está tetraplégico para sempre, que nada se pode fazer. Também não terá visto o rapaz que sofreu um acidente e está perguntando aos médicos o que houve com as suas pernas porque ele não sente nada da barriga para baixo.

Veja bem: toda essa miséria não foi feita para dramalhão de novela. Não foi não. Por isso, aceite a sugestão: mude de canal ou desligue a televisão. Você simplesmente não merece ver o que estão mostrando nessa tal “Viver a Vida”.

Escrito por Ayrton Marcondes

21 novembro, 2009 às 8:29 am

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O uso do Kistch na tragédia do AIRBUS

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As causas do acidente acontecido com o vôo 447 da Air France talvez nunca venham a ser completamente elucidadas.  Há que se fazer de tudo para descobrir os fatores desencadeantes da tragédia: explicações e prevenção de novos acidentes são mais que necessárias.

Enquanto aviões, navios e submarinos procuram corpos e destroços no mar o assunto continua palpitante, atraindo a atenção pública. Até aí tudo normal e dentro do esperado sobre um fato que causou enorme comoção pública.

O que não se entende é a necessidade de divulgação de certos detalhes que mais parecem veiculados para delimitar com precisão o quadro de horror vivido pelos passageiros em seus últimos instantes. Se existem razões para se divulgar a hipótese de que os passageiros teriam sido lançados no espaço não dá para entender a necessidade de detalhar o que daí por diante teria acontecido a eles. Descrições do avião se rompendo, corpos lançados no espaço, múltiplas fraturas e, ainda, cadáveres encontrados sem pernas e braços só servem para aumentar a dor de familiares e pessoas próximas aos acidentados.

Talvez pior que isso sejam algumas manifestações que circulam pela internet, manifestações de pesar é verdade, mas muitas vezes impróprias, quando não de extremo mau gosto.

Esse é o caso de uma exibição de slides na qual se faz a remontagem fotográfica dos últimos momentos de vida de um dos passageiros do vôo 447. O interessante é que é ele, o passageiro desaparecido, que nos fala descrevendo todos os acontecimentos ocorridos desde o início da malfadada viagem a Paris.

A narrativa começa com imagens do avião levantando vôo, segue com o avião entre as nuvens, os passageiros são mostrados sentados no avião e chega-se ao momento do desastre: então o céu se torna nublado, há raios e o avião se precipita. A imagem seguinte é a do mar que espera o avião que com ele vai colidir. A partir daí o narrador descreve a sua passagem para o outro mundo, suas impressões e o seu encontro com Jesus na placidez de um banco de jardim. Há também imagens da face do passageiro tendo como fundo a cidade de Paris que ele não chegou a conhecer porque morreu no acidente.

Que não me perdoe o idealizador dessa história não comovente, mas a sua boa vontade e solidariedade converteu-se num puro exercício de Kistch, enfim, de mau gosto.

- Existem limites, existem limites - repetia um filósofo cujo nome me escapa e que talvez nem tenha existido.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 junho, 2009 às 8:38 am

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