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Do que me lembro?
O golpe militar de 31 de março de 1964 não foi inesperado. Na época eu tinha 17anos de idade e ouvia conversas de meus tios nas quais se dizia que do jeito que estava não se poderia continuar. Aluno do que hoje se chama de Ensino Médio eu lia o jornal “O Estado de São Paulo” que meu tio assinava. Na verdade eu não tinha opinião formada sobre as tendências do momento e o que seria melhor para o país. Falava-se demais naqueles dias sem que houvesse consenso sobre quase nada. Temia-se o comunismo que nos era apresentado como grande mal, veja-se como se vivia na Rússia. Forte impressão causavam as atitudes de Fidel Castro que por pouco não haviam resultado numa guerra mundial. E o mundo dividido em dois blocos pela Guerra Fria funcionava como ameaça permanente de conflito.
Na época eu não sabia avaliar o real significado daquilo que diziam ser os perigos da extrema direita. De modo que nadávamos em águas de incerteza. Aí aconteceu o comício da Central do Brasil no qual Jango pôs as mangas de fora. As medidas por ele anunciadas de modo algum contribuiriam para a solução de problemas do momento. Interpretadas como perigosas serviram de estopim ao golpe de 31 de março.
Do que me lembro bem foi da apreensão geral por não se ter idéia do que viria em seguida. Acompanhavam-se pelo rádio as notícias do dia e estocavam-se nas casas alimentos por receio de que viessem a faltar. Mas, Jango não reagiu e o golpe seguiu em calmaria. Os militares tomaram o poder sem luta e o povo, cansado de tanta confusão, recebeu esperançoso a mudança de governo. Logicamente não se imaginava que os militares permaneceriam no poder e que as coisas tomariam o rumo que tomaram.
Quanto a mim , estudante e nada mais que isso, só vim a entender o significado do golpe uns três dias depois. Morando em Itu eu tinha um amigo que era sócio do clube da cidade. Certa noite convidou-me ele para conhecer o clube e fui barrado pelo porteiro por não ser sócio. Para entrar teríamos que pedir autorização ao presidente do clube. Conduzidos à sala do presidente nós o encontramos em sua mesa de trabalho, cuidando de alguns papéis. Era ele um coronel do exército na ocasião apresentava-se fardado.
Ao reparar na nossa presença o militar levantou a cabeça e o meu amigo começou a falar, sendo interrompido aos gritos. O coronel perfilou-se e , apontando para nós, disse que era justamente para acabar com os privilégios desses filhinhos de papai que o golpe acontecera. Transtornado o coronel escorraçou- nos. Saímos dali assustados mas protestando, aliás inutilmente.
Obviamente a atitude do coronel não traduzia o comportamento de todo o exército. O fato é que, como acontece em todas as organizações, sempre existem os mais exaltados. De modo que passado algum tempo não me surpreendi com as notícias sobre perseguições, torturas e desaparecimentos. O radicalismo tem a seu serviço bons radicais que se esmeram na prática abusiva do poder. E todo mundo sabe de que forma as coisas se passaram nos anos seguintes ao golpe de 64 neste nosso Brasil.