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A maldade dessa gente é uma arte
É o que diz a letra do samba. Quem canta é Ataulfo Alves, cantor e compositor de samba. Ataulfo compôs mais de trezentas músicas entre elas “Pois é” cuja segunda estrofe diz o seguinte:
A maldade dessa gente é uma arte
Tanto fizeram que houve a separação
Mulher a gente encontra em toda parte
Só não encontra a mulher que a gente tem no coração.
Falaram tanto, tanto da morena que ela resolveu abandonar o seu homem, daí a maldade dessa gente ser uma arte.
Relembro a letra de “Pois é” por causa de um amigo a quem aconteceu história parecida. O Fulano - no caso preservar a identidade é obrigação - casou-se com uma mulher que, nos dizeres do tempo, era fenomenal. A Morena do Fulano encaixava-se à perfeição em muitas letras de sambas cantados na época. Um deles tem o título “Cuidado com essa mulher”, cantado pelo próprio Ataulfo:
Há muito tempo que o meu santo me dizia
E a cigana cansou de me avisar
Cuidado com essa mulher
Que ela vai te abandonar
Eu fui um bobo
Em não querer acreditar
E a Morena abandonou Fulano, metade por conta do falatório, metade em causa própria. Fulano deu a Morena casa, cama e coração. Morena quis roupa chique, Fulano deu; Morena quis carro importado, Fulano deu. Era Deus no céu, Morena na Terra. Até que Morena conheceu um cara - hoje seria chamado de personal trainer dela - com quem começou a sair. Tudo como o dito na letra de outra música, chamada “Liberdade Demais” essa de autoria de Ciro Monteiro:
Sair a passeio
Deixei
Boate, cinema
Deixei
Os amigos falavam
Nem sei
Foi liberdade demais que lhe dei.
E foi bem assim. Quando Fulano viu até o carro importado estava no nome do Personal. Por ocasião do desquite – ei, ainda não havia o divórcio! – a Morena já vivia há algum tempo com o Personal. Fulano? Sofreu que nem um desgraçado, miou que nem gato no cio. E foi assim nas mesas de bar, bebendo, consolado pelos amigos e repetindo: a Morena,desgraçada, nunca mais.
Durou um ano e a Morena veio bater à porta de Fulano. O Personal, amor físico dela, tinha se mandado e levado o carro. Bateu, mas Fulano não deixou entrar porque homem que é homem pode até ser corno, mas só uma vez. A resistência de Fulano durou uns três dias. Depois abriu a porta e fizeram as pazes, o Pombo bom e a Pombinha desgarrada.
Desnecessário dizer que Morena, a fenomenal, teve outros casos e Fulano fez vista grossa. Ele mesmo se dizia sortudo por ter um mulherão daqueles. Repetia: é muita areia para o meu caminhãozinho…
Morena viveu com Fulano até o fim vida dela. Fulano morreu ontem. Nos últimos tempos era um sujieto triste porque nunca se conformou com a perda da mulher. Quando um amigo comum me ligou contando sobre a morte de Fulano, instintivamente cantarolei parte da música “Árvore morre em pé”, também de Ataulfo Alves:
Prá seu governo
Ouve-me bem Januário
Voce não pode ensinar
Padre- nosso ao vigário
Bom remador
Rema em qualquer maré
Sou uma árvore
Morro, mas morro em pé .
Fulano era um bom sujeito, mente ágil e inteligente. Árvore de boa madeira, tipo apaixonado, entregava-se por inteiro em suas relações sempre transparentes. A Morena foi sua sorte e azar: viveu com a mulher que quis - era louco por ela - mas segundo as condições dela.
O coração da Árvore que morreu em pé parou ontem ao anoitecer. Fulano deixa grandes saudades.