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Cuidado com o que fala
No auge do governo Médici as pessoas eram caladas. Você estava num ônibus, em São Paulo, e não ouvia vozes. Pessoas no máximo cochichavam. Falar de ditadura, governo militar, política, comunismo, terrorismo, etc. nem pensar. Anos de chumbo, são anos de chumbo, nada a declarar.
Meu tio era um sujeito de sangue quente. Proprietário de bondade ímpar, coração de ouro, era do tipo nervoso. Desses que vão do zero ao infinito em um segundo, mas logo retornam ao bom senso. Teve vida de aventuras e muitas vezes ouvi dele as diabruras que cometeu quando jovem. Homem de outra época percorreu interiores do país, vendendo quinino para tratamento de malária. Tornou-se professor após sérios desentendimentos com a banca examinadora que viria a dar a ele a licença para ensinar. Fez parte do contingente de soldados paulistas durante a Revolução de 32 e, já velho, ainda citava o heroísmo dos rapazes do MMDC: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo - retive na memória esses nomes de tanto ouvi-los de meu tio.
Falo de meu tio porque as discussões dele com minha tia eram comuns. Também comuns eram as razões do palavrório trocado entre eles. Em verdade havia uma única razão: meu tio não tinha travas na língua, dizia o que pensava. Metia a boca no governo militar. Minha tia brigava com ele, implorando para que se mantivesse calado quando fora de casa. Uma palavra errada dirigida a um desconhecido poderia gerar grandes problemas.
A ditadura ficou para trás, o regime democrático está aí com suas imperfeições. O tempo passou e agora vive-se o período do politicamente correto no qual é preciso muito cuidado com o que se fala. O perigo está no uso de expressões arraigadas na língua e que têm conotações discriminatórias. Por exemplo: a piada de que o baiano é um sujeito folgado. Dela sugiram expressões realmente negativas em relação a baianos. Todo mundo a que se refere a palavra “baianada”. Entretanto, falava-se em “baianadas” sem realmente ter em perspectiva os nossos irmãos da linda e querida Bahia. Ah, Salvador, que saudades… Entretanto, hoje em dia o melhor é não se usar mais a palavra.
O mesmo pode-se dizer em relação a expressões de cunho racial as quais, obviamente, não devem ser usadas. Entretanto, no passado o uso de tais expressões tornou-se parte integrante da linguagem comum. Devem, sim, ser banidas. Mas, não creio que todas as pessoas que eventualmente ainda cometam o deslize de utilizá-las sejam de fato racistas. Isso não quer dizer que não exista racismo no Brasil, muito pelo contrário. Mas, levará um tempo até que o modo de falar do povo seja acertado.