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Hino Nacional
Bem, nós sabíamos cantar o Hino. Era cantado pela molecada, inocentemente. Que se saiba não haviam na cantoria intenções subliminares para induzir o nacionalismo. Mas, ele vinha junto, claro. E daí?
Se bem me lembro naqueles anos 50 do século passado buscavam-se motivos de orgulho pelo Brasil. Tanto que as crianças eram ensinadas sobre o nome do cidadão que ocupava a presidência da República. Recordo-me bem da dificuldade que tínhamos em escrever o sobrenome de Juscelino, o Kubistchek. Ainda hoje, passados mais de 60 anos eu o escrevo com facilidade.
Quanto a mim confesso que não me sentiria bem brasileiro caso não conhecesse a música e a letra do Hino. Ele me acompanhou durante toda a vida e, ainda hoje, me emociono ao ouvi-lo em certas ocasiões. Como não se emocionar ao ver e ouvir Paulinho da Viola cantando o Hino na abertura das Olimpíadas? Não era uma música qualquer que ali se executava: era o nosso Hino, grande ícone da nossa nacionalidade.
Mais: talvez hoje em dia nem tanto, mas não era de arrepiar quando ouvíamos o Hino antes do início de grandes jogos nas Copas do Mundo? Aquilo era o Brasil, o nosso país ali representado como a tal pátria de chuteiras.
E olhe que nem assim me fiz nacionalista. Aprendi a amar esse país de eternos desacertos e admiro toda gente que quer sair dele porque eu não saberia viver em outro lugar. Mas não rasgo as vestes em protestos nacionalistas ou de outra s naturezas.
Afinal, nunca seremos como os americanos do norte, patriotas. Em cidades interioranas dos EUA não é incomum ver-se ruas inteiras de casas defronte as quais tremulam bandeiras daquele país presas a mastros. Americanos amam sua pátria de modo diferente desse estar um tanto silencioso que grassa entre nós.
De modo que fica sem foco essa bobagem de um ministro ordenar a filmagem de crianças, cantando o glorioso “Salve o lindo pendão…” Bem, ele voltou atrás, mudou o texto da carta. Mas, a partir de agora talvez não seja a mesma coisa. O erro do ministro imantou ao Hino intenções ideológicas para as quais não dávamos a mínima ao entoá-lo. Receio o início de um tempo no qual o Hino não venha a ser cantando como parte da herança brasileira.
Demais sempre gostamos de Hinos. Em meus tempos de ginásio nossa professora de francês, a inesquecível Dona Clara, nos ensinou o Marselhesa. Sou capaz de cantá-la, de cabo a rabo, se necessário. Mas, aqueles eram outros tempos nos quais a França figurava como modelo para essas plagas tão incultas. Admirava-se a literatura francesa com seus Balzac, Gide, Flaubert, Hugo, Dumas… Nossas elites afrancesavam-se. Era mesmo um outro mundo.
Influência francesa
A influência francesa na cultura brasileira é marcante. Desde os tempos do Império o Brasil se rendeu à supremacia intelectual francesa. A Missão Artística Francesa, trazida por D. João VI ao país, aportou aqui em 1816, comandada por Joachim Lebreton. Com ele vieram artistas como os pintores Jean Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay. Escultores, gravadores e outros especialistas chegaram ao país, alguns deles trazendo suas famílias. Seis meses depois chegou o fotógrafo Marc Ferrez a quem devemos o raro registro de imagens daquela época.
Mas, é no campo do pensamento que a influência francesa talvez tenha causado maior impacto. Foi com base no Iluminismo francês que se realizou a Inconfidência Mineira. O modelo das universidades públicas brasileiras foi importado da França. Em 1936 foi criada a USP, seguindo esse modelo. Aliás, em seus primórdios, a USP contou com a participação de importantes professores franceses, entre eles Claude Levi-Strauss e Fernand Paul Achille Braudel.
É inegável a admiração, ao longo de nossa história, em relação aos franceses. De resto, justificada. Conta a França com invejável grupo de personalidades marcantes cujos nomes despertam admiração e respeito em todo o mundo. A área da literatura, por exemplo, é pródiga em expoentes, podendo-se citar Victor Hugo, Andre Gide, Marcel Proust, Honoré Balzac, Gustave Flaubert e tantos outros. Obviamente, a influência francesa não está restrita á área cultural. No nosso cotidiano verificam-se traços do modo de ser francês, a começar por regras de conduta, etiqueta etc.
Nos anos 50 do século passado chegou ao Brasil um francês chamado Luís Enoch. Antes dele viera sua irmã que se instalara em cidadezinha nos altos da Serra da Mantiqueira. A “Francesa”, modo como os locais identificavam Dona Louise, estabeleceu-se com uma pensão na qual recebia hóspedes que vinham gozar os ares das montanhas.
Mas, quem mais chamava atenção era o irmão Enoch. Parisiense, o francês fizera de São Paulo o seu domicílio. Regularmente visitava a irmã, ocasiões em que se mostrava afável e bom conversador. Falava um português carregado por sotaque francês. Causava estranheza o apuro com que se vestia - sempre um lenço no pescoço, cobrindo em parte a gravata - e os modos delicados que sugeriam fosse talvez efeminado.
Enoch foi o primeiro francês a quem conheci. Naquele meio de século sua figura irmanava-se à imagem de um país cultuado. No ginásio tínhamos aulas de francês e sabíamos cantar a Marselhesa. Ouvíamos da professora sobre a Torre Eiffel, o Jardim das Tulherias, o Louvre e a Notre Dame. E Paris! Enoch viera de lá. Na cabeça do ginasiano seria ele, talvez, alguém muito importante…